Fernando Corredoira: «O português deu-me uma experiência de 'normalidade' e de variedade na nossa língua»
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Portal Galego da Língua entrevista o professor Fernando Vásquez Corredoira, académico da AGLP, após o lançamento do seu último trabalho: 101 Falares com Jeito.
Entrevista ao académico da AGLP após o lançamento de 101 Falares com Jeito
PGL - Polo 25 de Julho de 2010, Fernando Vásquez Corredoira trouxe-nos a versão anotada do Sempre em Galiza, um clássico do nacionalismo galego. Um ano depois chega com 101 Falares com Jeito, a mais recente novidade da ATRAVÉS|EDITORA.
Esta obra é continuação da série de artigos que Corredoira publicou no Velho PGL entre 2002 e 2008. Foram 70 entregas em que o professor corunhês deu numerosas dicas para melhorar nos usos linguísticos e expurgar castelhanismos do nosso idioma.
Entrevistámos Corredoira para conhecer mais acerca da sua trajetória e deste trabalho que será, com certeza, de consulta obrigatória.
PGL: Fernando Corredoira nasceu na Corunha, no bairro de Monte Alto. Como foi a sua interação com o galego popular na sua adolescência?
Fernando Vásquez Corredoira: Nascer, nascim em Santa Ugia de Ribeira. Criei-me em Monte Alto, sou logo da Corunha. Na casa, os avós maternos expressavam-se em galego agrário luguês (eram da Ulhoa), sólido e ancestral. A geração dos nossos pais entre si falava um galego galego mais recheado de castelhano e connosco, os novos, um continuum galego-castelhano. Portanto, nós, os mais novos, na casa, na rua e, claro, na escola era suposto falarmos castelhano. E, com efeito, falávamos uma espécie de castelhano agalegado, com recurso frequente a um galego residual. Essa era a prática comum no nosso bairro durante a minha adolescência. Um bom exemplo da sequência duma substituição linguística.
PGL: Licenciou-se em Filologia Galego-Portuguesa na Universidade da Corunha. Pensou alguma vez em quão diferente teria sido a sua formação se tivesse estudado em Santiago de Compostela?
FVC: Na Filologia da Corunha ensinam discípulos do Carvalho Calero de finais de 70: o galego é galego-português. Promovem os ‘Mínimos’, estão ligados ao BNG. Há abertura para o mundo português, que se estima e considera próprio. Há também civilidade e respeito suficientes. Admite-se o opinar. A questão: Que (é o) galego? Como deve ser? ainda estava aberta.
Na Filologia compostelana também são ou se julgam nacionalistas galegos, mas não acreditam muito no ibero-romance ocidental. São os autores dum Galego Normativo, institucionalizado. O único galego possível, verdadeiro e patriótico. De maneira que aí não há questão e as pessoas inquietas que se atrevem a colocá-la incomodam.
PGL: Fernando Corredoira estudou e trabalhou no Porto e em Goiás (Brasil). Como foi o contraste com sociedades onde a nossa língua não é periférica e sim nacional?
FVC: O relacionar-me com diversas gentes em diversas variedades e registos de galego-português foi uma experiência instrutiva, pessoal e linguisticamente. O português deu-me uma experiência de normalidade e de variedade na nossa língua.
PGL: Fernando Corredoira é, do ponto de vista profissional, tradutor. A nossa língua e o castelhano são línguas muito parecidas. Foi a tradução a que lhe ensinou que há que ter sempre um olho aberto na hora de verter uma língua para a outra?
FVC: A tradução ensinou-me, com efeito, a reparar um pouco mais e a utilizar com certa perícia algumas ferramentas de pesquisa e verificação. É um meio agradável de se ganhar vida (quando há trabalho) e favoreceu que continuasse a praticar e a aprender o idioma.
PGL: No prólogo do 101 Falares com Jeito adverte, de facto, sobre a dificuldade de determinar o que é um “castelhanismo” do que é «authentically Galician». Como avaliaria os esforços das entidades que constroem o galego da administração em marcar esse limite?
FVC: Julgo que concebermos o nosso futuro enquanto comunidade linguística à margem do espaço de comunicação em português é um erro. Sou dos que penso que nos convém promover uma concepção alargada do galego.
PGL: Nos anos 80 advertia Xavier Alcalá, primeiro presidente da AGAL, que a única forma de marcar esse limite era o contato com moradores de áreas rurais ou um dicionário de português. Concordas?
FVC: Conhecia a receita, não lhe sabia o autor. É difícil não concordar. Os ingredientes casam bem. Um bom dicionário nunca sobra, mas não basta. Diria ademais que a cousa não é apenas marcarmos limites ao castelhano, como ainda e sobretudo sairmos dos limites do castelhano («del español y de lo español»).
PGL: A priori, quando duas línguas são mui próximas, o número de falsos amigos linguísticos aumenta. Assim sendo, entre a variante da nossa língua e o castelhano deveria haver centenares de itens. No entanto, se fizéssemos uma pesquisa na Galiza, a maioria das pessoas não conseguiria passar dos já habituais ninho, polvo e ano. Qual a causa?
FVC: A causa e a cousa em resumo deve ser que a gente galega não conseguiu fazer ou não quis fazer (é difícil distinguir) da sua língua uma língua nacional e acabou por ir adoptando primeiro aos poucos, depois largamente o castelhano.
PGL: A maioria dos castelhanismos que usamos são de caráter neológico, quer dizer, vão ligados às realidades que surgem na sociedade (coche, ordenador, bolígrafo). Pode-se afirmar que para a (quase) totalidade de novas realidades aparecidas depois da Idade Média (administração, invenções, gíria...) usamos formas castelhanas?
FVC: Diria que assim é. E não é de estranhar.
PGL: Quais seriam as melhores estratégias para possuir, do ponto de vista pessoal, um formato de língua soberano a respeito do castelhano? E do ponto de vista social?
FVC: Adquirir e desenvolver recursos expressivos à margem dessa língua, através do contacto entre o galego real e o português geral. Orientação lusófona e trato com outras verdades além da española.
PGL: Que temos a ganhar com um galego formato émundial?
FVC: Uma língua extensa, intensa e útil.
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