Carta aberta ao Presidente do Governo Autónomo da Galiza

A Academia Galega da Língua Portuguesa, a Associaçom Galega da Língua e a Fundaçom Meendinho, com a adesão da Associaçom de Estudos Galegos, enviam carta ao Presidente do Governo Autónomo da Galiza, Alberto Núñez Feijoo, a respeito da Lei para o Aproveitamento da Língua Portuguesa e Vínculos com a Lusofonia, aprovada no Parlamento autónomo em março de 2014. Reproduzimos o texto na íntegra.

Exmo. Sr. Alberto Núñez Feijoo
                                Presidente
                                Junta da Galiza
                                Complexo Administrativo S. Caetano
                                15781 Santiago de Compostela

 

 

Da nossa maior consideração:

Talvez como forma de paliar os erros de décadas passadas, o Parlamento da Galiza aprovou a Lei 1/2014 de 24 de março, «Para o Aproveitamento da Língua Portuguesa e Vínculos com a Lusofonia», ou Lei «Paz-Andrade». Processo negocial e documento legal que geraram uma expectativa de mudança em positivo na política linguística, e na orientação estratégica das políticas públicas, que deveriam avançar em direção à integração no espaço lusófono. Lei considerada "realista e aplicável", na altura do debate parlamentar que conduziu à sua aprovação, polo Deputado Agustín Baamonde, em representação do Grupo Parlamentar do Partido Popular. Trata-se, ou tratou-se, de um texto legal de iniciativa popular, com a assinatura de mais de 17000 cidadãos, cujo processo foi da mão das Entidades Lusófonas Galegas, que tiveram o cuidado e a virtude de somar vontades e sensibilidades diversas para abrir um caminho diferente do habitual, sem exclusões, como via possível para começar a corrigir o rumo isolacionista. Uma lei que foi publicada no Boletín Oficial del Estado espanhol sem que o Governo de Madrid tenha apresentado qualquer inconveniente.

Quatro anos depois da sua aprovação, sentimo-nos na obriga de lhe comunicar o nosso mal-estar polo seu nulo desenvolvimento jurídico, incumprindo o compromisso adquirido durante a negociação connosco, e com os grupos parlamentares galegos, na altura da sua aprovação pola unanimidade dos deputados. Apoio unânime para o qual contribuímos, como sabe, e que lhe confere toda a margem de manobra política. Por consequência, regista-se também um nível de aplicação ínfimo e testemunhal nos âmbitos de atuação previstos na Lei, não indo além de medidas provisórias e parciais, que dão nas vistas mas carecem de orçamento e garantia de continuidade, dececionando as expectativas geradas e reduzindo ao mínimo a credibilidade do Governo nesta matéria.

O incumprimento da Lei Paz-Andrade, depois de ter recebido, Exmo. Sr. Presidente, a mais alta condecoração do Governo da República de Portugal por promover a língua portuguesa, entre outros méritos discutíveis, atinge na mesma medida à literalidade dos artigos da lei, quanto ao mais básico sentido da correspondência com as entidades que a promoveram, e que até ontem continuaram a dar apoio e suporte discreto ao seu Governo, como bem sabe.
 
Porque a Lei abriu um espaço legal para o apoio institucional e o financiamento de atividades a favor da língua portuguesa e de aproximação da lusofonia, é chocante e dificilmente aceitável que o seu governo se apresente publicamente como o maior defensor da lusofonia na Galiza, enquanto os departamentos de cultura e política linguística continuam a ignorar patentemente as entidades culturais galegas que, de longa data e com os seus próprios recursos, mantêm atividades a favor da unidade da língua e de aproximação cultural em relação ao conjunto dos países do espaço lusófono. A falta de consideração relativamente a quem temos promovido a Iniciativa Legislativa Popular Valentim Paz-Andrade explica também, Exmo. Sr. Presidente, que nestes quatro anos não tenha encontrado um espaço na sua agenda para nos receber, como tínhamos solicitado, e como nos foi confirmado pola sua secretaria. Ninguém poderá dizer que faltou, da nossa parte, vontade de diálogo.

Seria razoável que se tivesse criado no sistema de ensino público, polo menos, vagas para professores de língua portuguesa. Porém, nada disso aconteceu. Mantém-se a precariedade dos docentes e do próprio ensino do português, como antes da aprovação da lei. É de conhecimento público que todo o esforço em prol do ensino da língua portuguesa na Galiza continua a ser feito polos pais de alunos, os professores, que voluntariamente se oferecem para ministrar língua portuguesa, e as entidades lusófonas galegas, com meios próprios.

Se olharmos para o panorama na comunicação social de titularidade pública, logo se vê que não se levou a sério a inclusão de conteúdos em língua portuguesa. Regista-se casos positivos e meritórios na Televisão da Galiza, a cuja Direção reconhecemos uma sensibilidade notável e iniciativas de valor; contudo, trata-se de atos esporádicos, isolados da política linguística do Governo.

No tocante às relações internacionais, não há constância da criação de um só grupo de trabalho ou da nomeação de um cargo especificamente dedicado à CPLP ou às relações bilaterais com países do espaço lusófono. Muito menos de políticas estruturais que afetem o governo no seu conjunto, com planos concretos e perduráveis no que diz respeito à integração da Galiza no espaço lusófono. A «Estratégia Galega de Ação Exterior - Horizonte pós 2020», recentemente aprovada, inclui reiteradas citações da lusofonia, o que constitui um passo positivo e plausível. Porém não tem caráter executório, ficando numa declaração de intenções, sem compromissos concretos, prazos e orçamentos que garantam a sua eficácia. Também é desconhecido em que departamento ou cargo público reside a responsabilidade da sua implementação.

Lembramos que outro governo autónomo, o da Estremadura espanhola, mesmo nem sendo território lusófono como a Galiza, tem uma atitude e uma política bem diferente em relação à língua portuguesa, cuja promoção é incluída no mesmo texto do Estatuto de Autonomia, salientando, dessa forma, um nível institucional mais elevado do que a Lei Paz-Andrade galega. Um governo autónomo e uma sociedade estremenha que estão a avançar posições em relação às instituições internacionais do espaço lusófono, a cuja política parece ter-se incorporado recentemente a cidade de Olivença. Como exemplo de atuação concreta, basta citar a assinatura de um protocolo de colaboração com a União dos Exportadores da CPLP. Cabe perguntar-se, honestamente, por que é impossível para o Governo da Galiza o que de facto está a ser realizado pola Estremadura espanhola há bastantes anos.

A lógica das relações internacionais prejudica os governos e os territórios que se mantêm no isolacionismo e na autarquia. Por exemplo, em termos de Produto Interno Bruto, o custo de oportunidade da inação do seu Governo para com o espaço lusófono é elevadíssimo. A inexplicável ausência de atuação vem acrescentar-se aos erros em que incorrreu o seu Governo em relação à CPLP, por ação e omissão, de que advertimos atempadamente a Direção-geral de Relações Exteriores e com a União Europeia, e a Secretaria Geral de Política Linguística, infelizmente, sem efeito algum. Erros evitáveis que podem ter efeitos perduráveis.

Como já indicámos no «Parecer sobre a Candidatura da Galiza ao Estatuto de Observador Associado da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa», requerido polo Sr. Diretor-geral das Relações Exteriores e com a União Europeia, que a AGLP entregou oportunamente em 29 de outubro de 2015, esse organismo internacional iniciou um processo de ampliação e abertura com a incorporação de um significativo grupo de países observadores, alargando assim o seu espaço de influência a nível mundial. A CPLP já mostrou uma sensibilidade e recetividade especiais a respeito da possível candidatura da Galiza. A aprovação da Lei Paz-Andrade foi vista muito positivamente nos seus âmbitos diplomáticos, e continua a ser esperada alguma ação concreta. A esse respeito, devemos reiterar o indicado no Parecer de 2015: uma das condições de obrigado cumprimento para os países candidatos é a introdução e promoção do ensino da língua portuguesa.

Ora bem, a formulação da candidatura da Galiza não pode ser um ato improvisado ou circunstancial. Deve responder a uma planificação e uma estratégia coordenada com os agentes sociais, económicos, académicos e culturais interessados em avançar nesse caminho. Quando estamos às portas de uma nova política sempre pode haver setores resistentes à mudança. Da mesma forma que, noutros âmbitos, é preciso o impulso do Governo, priorizando o interesse geral sem atender ao de grupos de interesses particulares, a aplicação da Lei Paz-Andrade deveria deixar de estar condicionada pola conveniência de grupos de pressão que nunca quiseram saber da lusofonia e começaram, desde o primeiro minuto, a trabalhar contra esta Lei do Parlamento.

Algumas das medidas mais oportunas, de maior rendimento e menor custo em relação ao espaço lusófono estão indicadas no Parecer sobre o Desenvolvimento da Lei Paz-Andrade, elaborado pola Comissão Promotora da ILP, apresentado publicamente em Lisboa em outubro de 2013 e que lhe enviamos juntamente com esta carta. Pretendemos contribuir, assim, para o estabelecimento de uma nova política linguística e uma necessária viragem de rumo nas relações exteriores, com benefício para todas as partes implicadas.


Receba, Exmo. Sr. Presidente, os nossos melhores cumprimentos.

 

                        Santiago de Compostela, 29 de maio 2018

 

 

Assinado:

Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP)
Associaçom Galega da Língua (AGAL)
Associaçom de Estudos Galegos (AEG)
Fundaçom Meendinho

 

 

 

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