Carta a D. Ricardo Carvalho Calero
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O professor Ramom Reimunde assina esta carta ao seu mestre, Ricardo Carvalho Calero.
Carta a D. Ricardo Carvalho Calero
Ramom Reimunde
Caro D. Ricardo:
Escrevo-vos esta carta trinta anos depois de que vos fostes além para contar-vos o que se passou com as vossas ensinanças, neste 17 de maio em que por fim se vos dedica o Dia das Letras Galegas injustamente adiado, na onomástica engraçada de Sam Pascual Bailom, no meio desta pandémia confinada que impede celebrar a festa como vós merecíeis. Há outras doenças, como a de não poder escrever o galego como o português para toda a lusofonia planetária. Essa era a vossa mensagem.
Sei que trás tantos anos de esquecimento os vossos restos corpóreos são pó e cinza no cemitério de Boisaca, mas o vosso espírito segue vivo entre nós. Se não a vós, chegará aos vossos tudo o que está aparecendo nestes tempos: livros, banda desenhada, recitais, artigos, fotos e mesmo vídeos que tínhamos bem guardados, onde vos podemos ver e ler bem vivo e atual. As redes sociais estám que fervem com notícias e atos sobre vós.
As cousas com o reintegracionismo da nossa língua não foram tão bem como pensávamos e esperávamos utopicamente então, e mais no vosso caso, que éreis muito optimista e animador; nem foram tão mal, porque apesar de tudo o que fizeram por silenciar, sobrevivem. Passou algo similar à tão citada e louvada transição democrática de Suárez, porque tudo estava bem atado e seguiriam os mesmos de sempre aferrados ao poder sustentado pelas antigas forças vivas e económicas que tudo o governam para que nada cámbie. Com uma autonomia só administrativa, voltamos ao isolacionismo e a espanholização da língua, afastando-nos de aproximações tímidas ao filho português.
Muitos escritores e intelectuais galegos, progressistas na política e proclives ao princípio ao reintegracionismo galego-português, retrocederam e venderam-se por um miserável prato de lentilhas institucional ou editorial e foram colaboracionistas ingénuos das forças antigalegas e espanholistas, ainda alguns professores de galego.
Nos jornais e nas editoras dos 90 não nos permitiram publicar na normativa reintegrada da Agal, da que fostes membro de honra e impulsor. Porém, em silêncio, seguimos publicando livros e revistas como Agália, e dando aulas na ortografia internacional não sem problemas burocráticos. No 2000 falava-se de normativa de concórdia em mínimos reintegracionistas. Tudo foi fume. No 2008 trinta académicos demos o seguinte passo e subimos o último degrau da escada fundando a AGLP e escrevendo o galego que falamos com ortografia portuguesa. Já vos tinha comentado eu que nessa escada de mínimos a máximos tanto se podia subir como baixar, e alguns desceram à normativa oficial castelhanizante, com a que os galegos estamos perdendo utentes e falantes, e quiçá a guerra. Afinal, ganhará a última batalha a norma lusófona.
Ainda não conseguimos entrar como membros plenos na CPLP, mas lograremos. A lei Paz Andrade foi aprovada no Parlamento Galego para potenciar o conhecimento do português. Mas é letra molhada e falta vontade política e orçamento para as aulas.
Estivestes vós em vida preocupado por guardar as formas prudentes e dar uma imagem séria e científica. A vossa figura exemplar, que trataram de apagar, agranda-se com o tempo e a divulgação da vossa obra. A vossa herança chegará às novas gerações.
Não vos desanime o ostracismo que sofrestes nos últimos quarenta anos porque não poderám ocultar a pérola que havia dentro. Querem eles apropriar-se do vosso nome, mesmo insistindo no Carballo com b e ll do passado, não compartindo as vossas ideias finais sobre a língua, com hipócritas louvanças que só neste dia luzem os jornais com titulares em galego nas portadas. Diremos-lhes como os de Rompente: retirade as vossas sujas mãos de Carballo, porque Carvalho Calero é nosso, de todos, como Castelao.
Com os melhores cumprimentos do seu aluno e discípulo menor. R que R.