Cantares Galegos de Rosalia de Castro

Rosália de Castro: Cantares Galegos

Artigo publicado em "O Patifúndio", revista cultural da lusofonia

José Luís do Pico Orjais (*) - Do ponto de vista de um galego existem duas formas diferentes de ser lusófono. Uma, que poderíamos chamar natural, dá-se pelo simples feito de utilizar a nossa língua. Mesmo falando um galego ruim, tens de ser considerado membro da comunidade, ainda que tão só seja como aberração. A segunda das maneiras seria a de pertenceres em consciência, é dizer, tendo reflexionado sobre o problema do idioma do que fazemos parte.

Os galegos conscientes, a diferença dos naturais, precissamos duma educação continuada de desalfabetização e posterior realfabetização, alem duma permanente proteção antivírus para não ser novamente acastrapados (alienados). Mas a consciência não se fez, coma no caso do Príncipe dos Apóstolos, subitamente após uma revelação, senão que tudo é um processo onde o feedback entre os lusófilos do entorno resulta fundamental.

No meu caso há três livros verdadeiramente basilares dos que não lembro nem quem os recomendou nem como chegaram a mim (prometo não te-los roubado), mas que são fulcrais sobre o idioma arrumei que construi no meu cérebro. São os seus títulos, Ensaios e poesias (1974) de João Vicente Biqueira, Da Fala e da Escrita (1983) de Ricardo Carvalho Calero e Estudos Galegos Portugueses (1979) de Rodrígues Lapa. Esta trindade bibliográfica, conta de três formas diferentes uma única realidade verdadeira: O galego faz parte da lusofonia.

Trata-se de coletâneas de textos dispersos publicados mormente em prensa escrita em diferentes épocas da vida dos autores. Poderia-se traçar numa tábua comparativa as ideias expostas por cada um destes três volumes, e veríamos as importantes coincidências, nada assombrosas quando são fruto da lógica mais esmagadora. Alguma dessas ideias seguem a ser atualíssimas e deveriam estar, nos dias de hoje, presentes no debate sobre o estado da língua galega.

Ainda que soe a obviedade, os autores assinalam a diferência entre a língua literária e a falada, ou o que é o mesmo, a ingenuidade de pensar que a língua literária poda ser mera transplantação do idioma falado. RODRÍGUES LAPA, Manuel (1979) p.74

“Insisto muito na ortografia porque terá, unida à purificação da língua, uma virtude mágica: fará da nossa fala camponesa, isolada e pobre, uma língua universal, de valor internacional e instrumento da cultura, além disso, capacitará a todos os galegos para lerem o português, o qual, diga-se o que se quiser, hoje não podem fazer.” VIQUEIRA LÓPEZ, Xohán Vicente (1974)

“[...]porque esse problema da língua escrita e da língua falada, [...], tem hoje flagrante atualidade, e não se refere apenas ao Brasil mas ainda à Galiza, que se vai defrontar com ele, quando aceder à autonomia. Com efeito, aquilo que atrás dissemos sobre o caso brasileiro, poderíamos repeti-lo quase nos mesmos termos a respeito do galego: fala galega, mas língua literária portuguesa da Galiza sob o nome de portugalego, isto é, com as peculiaridades próprias de cada uma, sem prejuízo da unidade fundamental.” RODRÍGUES LAPA, Manuel (1979) p. 127

“Um prejuízo sentimental do mesmo tipo pode registar-se na postura daquelas pessoas que em matéria idiomática falam com devoção supersticiosa do galego popular, entendendo por tal o que empregam hoje os indivíduos que o usam por tradição espontânea, e não receberam instrução escolar sobre a matéria. Para estes ingénuos opinantes, o galego popular, o galego espontâneamente falado, é o galego real e ideal, o verdadeiro galego, o galego sagrado; e herético e sacrílego todo galego que não aceite com bágoas [lágrimas] patrióticas e democráticas nos olhos usos do falar do povo. Uma idolização do popular, como no outro caso uma idolização do infantil.

Mas a imperfeição que há de encaminhar-se à perfeição não pode erigir-se em estado ideal sem renunciar a este progresso. O repertório de dados infantis não pode constituir o ideal do conhecimento humano. A fala atual do homem galego que não recebeu informação sobre o galego não pode constituir o ideal do idioma. Pretender, por sentimental afeição imobilista, que uma criança não deve desenvolver-se para chegar a adulto, que um idioma silvestre não pode aspirar a converter-se num idioma culto, é um erro semelhante ao que renuncia a curar uma doença porque conheceu sempre doente ao que a sofre, e lhe semelharia inautêntico o enfermo curado.” CARVALHO CALERO, Ricardo (1983) p. 123

No caso dos novos escritores o tema está resolvido. Cada quem deve saber escolher bando: a Galiza isolada das normas do I.L.G.A. ou a Galiza que reclama o lugar que lhe pertence por direito na lusofonia.

Mas o problema reside naqueles escritores que criaram as suas obras utilizando um galego intuitivo, com «uma forte vassalagem gráfica da língua oficial.» CARVALHO CALERO, Ricardo (1983) p. 65 Este galego literário prè-normativo foi inventado por autores que desconheciam o passado medieval galego-português, a tradição literária portuguesa e que partindo da nada codificaram um idioma falado só por classes populares. O paradoxo, do que também falara Carvalho Calero, é que a língua literária galega nascia quando a língua falada começava a esmorecer.

Os Estudos Galego-Portugueses de Rodrigues Lapa são um magnífico manual do bom adaptador do texto dialetal galego ao português padrão. Capítulos como os titulados “A Recuperação literária do galego”, “Ainda a recuperação literária do galego”, “António Sérgio e o problema da língua literária” servem para por no seu justo lugar a questão e dar possíveis soluções.

Mas a coisa está a mudar. Edições da Galiza acaba de editar o primeiro volume da coleção Clássicos da Galiza. O texto escolhido para o primeiro número não podia ser outro que Cantares Galegos de Rosalia de Castro.

O patrocínio intelectual desta publicação corre a cargo da Academia Galega da Língua Portuguesa (A.C.L.P.) cujo presidente diz no prefácio o que segue:

«Um dos projetos mais queridos da Academia Galega da Língua Portuguesa, na sua tarefa de recolocar a Galiza como membro pleno da Lusofonia, é, já do momento mesmo da sua constituição, a edição de uma coleção de clássicos galegos, apresentados numa versão linguística (nomeadamente nos campos da ortografia e da morfologia) que –sem por isso deixar de ser fiel idiomaticamente aos textos originais- esteja em sintonia com o que é a língua portuguesa atual, de conformidade com o Acordo Ortográfico.» CASTRO, Rosalia de (2010) p. 7

Não é a primeira tentativa de adaptar textos galegos ao português moderno, mas sim é a primeira promovida por uma organização com poder normativo. Efetivamente, a A.G.L.P. pode aplicar as normas comuns do português internacional aos textos galegos e, a um tempo, colocada como está entre as organizações lusófonas ao mais alto nível, promover a integração das caraterísticas próprias do galego no sistema geral. Boa prova disto é a elaboração por parte duma comissão linguística da Academia dum vocabulário com léxico galego que está a fazer parte já dos mais importantes dicionários portugueses.

Com respeito aos Cantares Galegos agora editados, vale dizer que a versão da AGLP correu por conta do Dr Higino Martins Esteves, professor galego-argentino, cujo trabalho é impecável. O feito de ter sido esta a opera prima da coleção deveu acarretar para o professor Martins uma responsabilidade adicional que foi acometida com erudição e criatividade, duas qualidades imprescindíveis quando se trata de adaptar a língua sem que afete ao ritmo e a rima poética.

Heitor Rodal Lopes e Ernesto Vázquez Souza são os coordenadores editoriais e os verdadeiros ideólogos da ética e da estética da coleção. Trata-se duma edição de bolso, muito económica, o que lhe confere uma vocação de divulgação tanto da obra e da figura histórica de Rosalia de Castro, como do discurso lusófono da AGLP em favor do Acordo Ortográfico.

Por último não posso menos que parabenizar aos responsáveis desta edição dos Cantares Galegos e à própria academia pelo seu esforço e por dar-nos um texto exemplar que nos vai servir aos que escrevemos em português da Galiza como modelo a seguir.

Como colofão achego-vos as últimas linhas do livro de Rodrigues Lapa que, escritas há cerca de quarenta anos, tém um certo aroma a testamento ideológico:

«O português literário, sem garantia de propriedade, é privilégio de três países, Galiza, Portugal e Brasil, a que se juntaram agora mais cinco nações africanas emancipadas. Produto refinado de cultura que tem servido tantas civilizações, não o estraguem, por favor. Falado hoje por 150 milhões de indivíduos, no ano de 2000 por 200 milhões, ele está destinado, por obra dos homens e do universalismo de que é portador, a ser uma das expressões mais válidas do mundo que se avizinha. Pensem bem: não podemos perder esse tesouro.» RODRÍGUES LAPA, Manuel (1979) p. 129

Pobre Galiza, não deves
chamar-te nunca espanhola,
que Espanha de ti se olvida
quando és tu, ai!, tão formosa.
Qual se na infâmia nasceras,
torpe, de ti se envergonha,
e a mãe que um filho despreza
mãe sem coração se mostra.
Ninguém por que te levantes
che alarga a mão bondadosa;
ninguém teus prantos enxuga,
e humilde choras e choras.
Galiz, tu não tens pátria,
tu vives no mundo soia,
e a prole fecunda tua
se espalha em errantes hordas,
mentres triste e solitária
tendida na verde alfombra
ao mar esperanças pedes,
de Deus a esperança imploras.
Por isso em-que em som de festa
alegre a gaitinha se ouça,
   eu posso dizer-che:
   não canta, que chora.

Cantares Galegos
Rosalia de Castro

Pode-se adquirir os Cantares Galegos nos seguintes enlaces:

[1] CASTRO, Rosalia de (2010) Cantares galegos [Edições da Galiza; Barcelona] Primeira edição de 1863.

[1] VIQUEIRA LÓPEZ, Xohán Vicente (1974) Ensaios e poesías [Galaxia;Vigo]

[1] CARVALHO CALERO, Ricardo (1983) Da Fala e da Escrita [Galiza Editora; Ourense]

[1] RODRÍGUES LAPA,  Manuel (1979)  Estudos galego-portugueses [Sá da Costa; Lisboa]

[1] A cita de Viqueira está tirada da exemplar edição da sua obra completa feita por António Gil Hernández. BIQUEIRA, João Vicente Obra selecta [Associação de Amizade Galiza-Portugal; Corunha] p. 68

Fonte original:

(*) José Luís: é galego nascido em Ogrobe (1969) embora se considere natural da Ilha de Arouça, na Galiza. Atualmente ministra aulas de música no CEP Brea Segade de Taragonha (Rianjo).

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Publicada a "Suite Rianjeira" da académica Isabel Rei

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José Luís do Pico Orjais assina artigo no Anuário Barbantia 2010

Acaba de sair a lume o Anuário Barbantia 2010, publicação que todos os anos edita a associação do mesmo nome nas terras da comarca de Barbança. Entre os seus artigos destacamos o assinado por José Luís do Pico Orjais, músico tradicional e diretor do C.E.P. Xosé María Brea Segade de Taragonha (Rianjo), sob o título de "A Suite Rianjeira de Isabel Rei Sanmartim".

Tal e como explica do Pico Orjais, a Suite foi fruto do pedido realizado à professora Rei Sanmartim com motivo da inauguração do Museo Pedagóxico Castelao no C.E.P. Xosé María Brea Segade. Dessarte, no dia 14 de dezembro de 2007 foram abertas as portas do museu e estreada a Suite Rianjeira, sob a direção e guitarra da própria Isabel Rei, acompanhada na voz por Xurxo Varela Díaz e na flauta e adufe polo assinante do artigo.

A Suite Rianjeira resultou da harmonização e instrumentalização de seis peças dos cancioneiros galegos que apareceram recolhidas em Rianjo. Tal e como assinala do Pico Orjais, "apesar de contar com a intervenção ocasional de instrumentos tais como a voz, a flauta ou o adufe, a Suite Rianjeira é uma obra fundamentalmente guitarrística".

"Em certo modo -continua-, a obra resulta uma reivindicação da guitarra de concerto como um meio de expressão ótimo para a música patrimonial do nosso país".

O artigo publica na íntegra, na parte final, as partituras das seis peças que compõem a Suite Rianjeira: Como queres que navegue (alalá), Foliada rianjeira, Todos dizem que me caso (pandeirada), Alalá, Moinheira e Marinheiro de Rianjo.

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