Transcrição do debate nas Conferências de 8 de Outubro

 Público assistente às Conferências
Debate Conferências de Evanildo Bechara e Malaca Casteleiro
Fac. Filologia, Univ. Santiago, 8 de Outubro de 2008, 12 h.

José Luís Rodrigues: Bem, a mim foi-me atribuído o papel de moderador assim no último momento e em consequência não está previsto que eu realize perguntas, mas suponho que aqui o público, enquanto não aparecer o Ângelo Cristóvão, poderá fazer algumas perguntas até que o organizador nos diga a que hora terminamos. Eu lembro que são horas já bastante avançadas e especialmente sei que os hábitos portugueses, no sentido das refeições, não são como os de aqui, não? Então fazemos as perguntas até que nos digam o que fazemos. O professor Antonio Gil tem a palavra.

António Gil: Eu rogaria que o moderador perguntasse primeiro.

José Luís Rodrigues: Eu cedo primeiramente aos assistentes a este acto, eu dou-lhes a palavra primeiramente, se não houver ninguém então pergunto algo.

Pergunta 1 (Xavier Vilhar Trilho): Eu perguntaria aos professores como vêem desde a sua perspetiva a falta da unidade ortográfica real das duas variantes principais do português, português de Portugal e o português do Brasil, tendo em conta que já há um acordo ortográfico.

Evanildo Bechara: O Professor Malaca Casteleiro fez parte da Comissão, de modo que eu acho que a pergunta pode ser contestada por ele.

Responde Malaca Casteleiro: Muito obrigado ao Professor Evanildo Bechara. Bom, realmente a questão ortográfica é uma longa guerra de cem anos, não é? Foi desencadeada em 1911. Foi uma declaração de guerra ortográfica, uma declaração, subjazente, indireta. Propriamente, porque Portugal nessa altura resolveu levar por diante uma grande reforma ortográfica sem ter procurado o consenso do Brasil Ora, determinar uma ortografia é um ato de soberania de um país sobre a língua, é um ato político e, portanto, não devia nunca ter sido tomada essa decisão sem o outro grande país de língua portuguesa se ter pronunciado sobre essa mesma reforma. E aí começou o grande erro do lado português. É verdade que no Brasil tinha havido já em 1907 também alguma tentativa de reforma ortográfica. De qualquer modo não foi por diante, não foi oficializada. Ainda que concordante dos dois lados do Atlântico, não podia nunca ser levada por um país avante sem realmente o outro participar nessa decisão política, nesse ato de soberania como é determinar uma nova ortografia para a língua comum.

Portanto esse é o grande problema e depois não houve nunca realmente entendimento. Nós sabemos que em 1945 -como foi aqui lembrada, a convenção ortográfica de 1945- os negociadores portugueses, coordenados pelo professor Rebelo Gonçalves, um classicista que falava o Latim e o Grego, para quem eram as línguas ainda vivas e fundamentais, conseguiu convencer os colegas brasileiros para reintroduzirem na grafia brasileira as consoantes mudas. Já tinham suprimido e suprimiram-nas com certeza por razões de alfabetização. É muito mais difícil para uma criança aprender a escrever a palavra “óptimo”, com p do que escrevê-la sem p, “director” com c, “recepção” é com p mas “direcção” é com dois c. Portanto mesmo não há articulação comum do ponto de vista fónico, e do ponto de vista morfológico há ortografia diferente; “receção” para os brasileiros, realmente, pronunciam “receção”. Mas do ponto de vista da aprendizagem da grafia, portanto uma criança portuguesa que diga /recepção/ tem que por lá um pê, mas direcção tem que escrever lá mais um c. Ora bem, por razões de escolarização, de alfabetização com certeza que essas consoantes foram suprimidas.

Ora bem, em 1945 os lusitanos, filólogos portugueses conseguiram convencer os colegas brasileiros a reintroduzir, portanto foi tudo feito segundo o desejo do professor Rebelo Gonçalves, uma grande figura - não é isso que está em causa- mas não houve consenso. Uma reforma ortográfica tem que fundamentar-se em razões linguísticas, em razões sociais e culturais, e em razões políticas, e portanto aí do ponto de vista social, do ponto de vista político, não houve realmente bom senso nessa opção que realmente foi tomada. Ainda hoje houve símiles da questão, portanto, um certo número de inteletuais portugueses com grande acesso aos meios de comunicação e que são contra a supressão dessas consoantes, porque ao suprimir essas consoantes “muda-se a fala”. A fala é uma coisa e a escrita é outra. E, portanto, naturalmente [há umas] relações entre a fala e a escrita, porque a ortografia portuguesa tem um critério fonético, no qual também se baseia, mas realmente... o alterar a grafia não implica alterar a fala, não é? Então, eu já disse, é o argumento do medo, e que se nós em direcção tiramos o c, as pessoas vão passar a dizer /dirêção/. Portanto, nós temos palavras em que a pretónica é aberta, “padeiro” por exemplo e não há lá nenhuma marca a indicar que esse “a” é aberto. Por outro lado temos “actualizar”, “actual”, temos lá o cê e no entanto a anterior é fechada, /âtual/, /âtualizar/. Portanto, esse argumento não pega mas, infelizmente, é o que tem impedido.

Portanto é unificação ortográfica porque o Acordo de 1990 foi um acordo possível. Não é o acordo ótimo, porque o ótimo seria a unificação absoluta. E então há aí alguns casos em que era muito difícil conseguir uma base comum. O principal é realmente o das esdrúxulas, em que a tónica “e” e “o” são seguidas de consoante nasal: “António”, “género”, em que do lado brasileiro usam acento circunflexo e do lado português é o acento agudo. Bom, Rebelo Gonçalves conseguiu também convencer os colegas brasileiros a substituir o acento circunflexo pelo agudo. Portanto, era tudo feito à medida do desejo de Portugal e o resultado está à vista. Ora, em 1986, numa primeira tentativa de acordo que se realizou em Abril no Rio de Janeiro, tendo do lado brasileiro o professor Antônio Houaiss, muito empenhado neste processo, optámos por suprimir os acentos, que os nossos alunos das nossas escolas têm uma certa relutância em escrever. E portanto aí tínhamos um argumento que é uma realidade que procede da escrita e portanto a pessoa já sabe que em António, o acento está na penúltima, até discutimos se as duas vogais finais não constituem de certo um ditongo crescente. ortanto, em António, sabe perfeitamente que o acento está aí, e portanto a abertura já faz parte da fala, das diferenças que há entre os falares dos dialetos. Mas esse Acordo, desse ano 86, não conseguimos sacá-lo por diante, enfim, motivou uma reação tão intensa do lado de Portugal, esses inteletuais fundamentalmente que se insurgiam contra o acordo. Depois vinham com outros argumentos, pois muito bem para as palavras de uso comum que já conhecemos o exemplo e não faz falta, mas para as palavras que se aprendem através da escrita, e, nomeadamente, do ponto de vista da aprendizagem da língua como língua estrangeira, para um estrangeiro que encontra a palavra escrita, o facto de ter o acento ajuda a fixar a imagem fónica e a imagem gráfica da palavra.

Portanto, agora, fundamentalmente o que falta é a vontade política. Não há vontade política em Portugal, não tem havido vontade política em Portugal para levar o Acordo por diante. Porque é um medo estúpido, incompreensível, de que através do Acordo Ortográfico o Brasil nos conquistará África, como se nós fôssemos os donos da África. Ou através de um Acordo Ortográfico se conquistasse alguma coisa. Mas há essa preocupação de que através da reforma ortográfica a variante brasileira do português se alargará à África. Ora, uma coisa é a escrita e outra coisa é a fala. E do ponto de vista da oralidade até alguns portugueses que falam nos países africanos lusófonos em têm muitos deles características mais semelhantes ao português que se fala no Brasil que do português que se fala em Portugal. Mas a razão fundamental é esta, não tem havido vontade política. E agora o Brasil -aí o professor Evanildo Bechara poderá dizer melhor- que se propõe aplicar o Acordo já no próximo ano, em 2008. Portugal irá depois a reboque, estou absolutamente convencido, ora era preferível que não fosse a reboque [Prof.ª Maria do Carmo Henriques: Irá para a frente] Muito obrigado, eu já me alonguei demasiado sobre esta questão e não sei se respondi inteiramente à questão.

Responde Evanildo Bechara: Quanto à respectiva ortografia, eu acredito que, se nós não lhe darmos as bases científicas de uma ortografia, jamais chegaremos a um acordo, porque já em 1911 e antes, Gonçalves Viana e Vasconcelos Abreu, em 1885-86 já tinham trabalhado no sentido de uma alteração, de uma mudança ortográfica. Tanto em 1885-86 como em 1911 nós tínhamos uma realidade educacional, cultural, diferente de hoje. A linguística nos mostra que uma língua comum só consegue relativa unidade na sua morfossintaxe e os acordos ortográficos querem fazer partir o sistema ortográfico da fonética, duma verdade fonética ou fonológica. Enquanto nós não abolirmos esta preocupação com a realidade fonética e fonológica, não chegaremos a um acordo. Nós vimos pela informação do nosso querido professor Malaca Casteleiro a grita que houve porque o dicionário da Academia registou a pronúncia lusitana, e não registou a realidade de outra pronúncia corrente em Portugal, pelo menos uma pronúncia, acredito coimbrã, de modo que enquanto os ortógrafos ficarem fixados na ortografia, fixados no elemento fonético-fonológico jamais poderemos chegar a um acordo.

Se nós compararmos uma primeira edição de Machado de Assis, por exemplo, 1886, 1900, com a mesma página de Machado de Assis hoje, nós vamos ver que o número de acentos no texto impresso hoje é muito maior, às vezes chega a quatro vezes mais os acentos usados na primeira edição ou numa edição de 1896 ou de 1900. E acontece que esse texto, com uma economia de acentos, era entendido pelas pessoas, e quando a pessoa tinha dificuldade, procurava um dicionário. O dicionário foi feito para ser consultado. Quando nós lemos inglês e quando nós lemos alemão, alemão já não digo tanto porque tem uma ortografia muito próxima da realidade fonética e fonológica, mas no caso do inglês nós nunca sabemos qual será a pronúncia daquela palavra se a vemos pela primeira vez. Eu tenho um livro de dois foneticistas americanos que dizem que se nós damos uma palavra a dez americanos, palavras que eles nunca viram, nós vamos encontrar no mínimo sete tentativas ou sete possibilidades de pronúncia. E o inglês não usa acento, então eu acredito que é o nosso grande problema, porque no sistema ortográfico nós já resolvemos os problemas etimológicos, já acabámos com os grupos gregos ph, sc, etc.

É dizer, a parte etimológica da ortografia já está muito bem racionalizada, agora fica a parte de acentuação. Ora, o emprego de um acento é como se fosse um estímulo à provocação entre realidades fonéticas diferentes, quer realidades nacionais como o Brasil e Portugal, quer realidades dentro do próprio espaço, por exemplo pronúncias diferentes no Brasil da mesma palavra e pronúncias diferentes em Portugal. Quer dizer, enquanto a o sistema ortográfico ficar aumentando o número de utilização de acentos, isto provoca uma dificuldade de uma unificação porque o acento é sempre um desafio, é sempre uma provocação a uma realidade fonética quer dentro do país, nas suas várias regiões, quer na comparação de um sistema fonológico. Ora, nós sabemos, por exemplo, na gramática nós podemos chegar a uma unidade morfossintática em todo o domínio da Lusofonia, mas não podemos fazê-lo no campo da fonética. E o que é que acontece com os ortógrafos desde Gonçalves Viana e Vasconcellos de Abreu em 1885-86, é que há uma necessidade de acentos para facilitar a pronúncia. Ora, essa facilitação da pronúncia naquela época era até justificável, porque a rede escolar era muito restrita. Nós não contávamos com os elementos da mídia falada, como nós temos hoje a televisão, o rádio, etc. De modo que mudou o panorama educacional entre 1885 e 2005-07. E, depois, o acento não garante, quer o acento quer os sinais diacríticos, não garantem a boa pronúncia da palavra, por exemplo, a palavra questão não tem trema e no Rio de Janeiro cada vez mais se acentua a pronúncia qüestão, qüestionário etc. A palavra “recém” tem um longo acento agudo na sílaba tónica e a pronúncia normal é “récem nascido”, “récem criado”, quer dizer a pessoa põe o acento mas não o respeita à hora de proferir. De modo que os ortógrafos têm dado grande importância à presença do acento. Ora a presença do acento numa ortografia vai criar situações de oposição entre a pronúncia, quer no mesmo país, quer em países diferentes. E nós sabemos que o falante resolve o seu problema, vejam por exemplo o caso do plural por metafonia: o plural por metafonia não leva nenhum acento, e todos nós sabemos quando o singular tem o timbre fechado e o plural tem o timbre aberto e que há, naturalmente, variações dessas pronúncias. Portanto, eu acho que o grande problema e a grande dificuldade de uma unificação ortográfica é que a atenção dos ortógrafos está voltada para o maior número de acentos, o que significa a maior provocação de diversidade da realidade fonética entre quer o mesmo país, quer em países diferentes. Eu creio que uma palavra como “Antônio”, proferida em Portugal com timbre aberto e no Brasil com timbre fechado, se nós não usamos o acento os portugueses continuam com timbre aberto, os brasileiros continuam com timbre fechado, e isso não é geral porque no Brasil também existe “António”, aquela região de pescadores da região dos Lagos, que é uma região de contingentes de antigos portugueses, é assim que se pronuncia a palavra, “António”. Quer a pronúncia seja “António”, quer “Antônio”, escrita sem acento nós poderemos chegar a uma unidade ortográfica. Agora se nós quisermos usar o acento com valor, com preocupação pedagógica, didática e educacional jamais teremos um acordo ortográfico. Então a meu ver essa unidade ortográfica só se obterá se nós chegamos a uma mudança da filosofia que deve presidir um Acordo Ortográfico para toda a Lusofonia.

Público assistente às Conferências

Comentário de António Gil: Um apontamento: No italiano a realidade é que não utilizam quase acentos. [Comentário do Professor Bechara: A não ser nos subtítulos] E o que acontece é que na Itália a unidade linguística era relativamente mínima no princípio da existência do estado italiano e não obstante agora na realidade é que o italiano se expandiu totalmente, pode dizer-se que é a única língua da nação e os dialetos estão em recessão total. Portanto...

Resposta de Evanildo Bechara: É. Um linguista italiano dizia que antes do boom da televisão quando quatro ou cinco italianos se juntavam pelo menos três falavam dialetalmente, depois de 1960 essa estatística mudou consideravelmente. Porque nós temos é que fazer frente a que os nossos locutores tanto de rádio como de televisão que não sejam escolhidos pela sua beleza física, mas que sejam promotores da boa pronúncia naquela região em que eles estão falando. Como antigamente os locutores no Rio de Janeiro passavam por um curso de locução, de prosódia, de ortoépia, para que pudessem agir como um elemento difusor da cultura, da língua naquela região.

Pergunta 2 (uma pessoa do público): Só uma pergunta, no caso do Brasil, por exemplo, qual seria a boa pronúncia do português do Brasil, seria a do Sul, a do Rio de Janeiro, a do Pará, a do Amazonas, a de Pernambuco, a da Paraíba? Será que esse conceito de boa pronúncia no Brasil é um conceito político... muitas vezes...

Resposta de Evanildo Bechara: Não, pode haver até uma influência política mas eu responderia com uma frase de um linguista do XIX, um dinamarquês, Otto Jespersen, que dizia: «Cada pessoa culta é um clássico na sua língua» seja ele falante de Londres, seja ele falante de Liverpool, etc. Então nós nunca teremos a boa pronúncia, a boa pronúncia é a pronúncia de cada região. Qual é a boa pronúncia de Portugal? Se ele for lisboeta será a de Lisboa, se ele for de Coimbra será a coimbrã, se ele for carioca será a pronúncia carioca, se ele for paulista será a pronúncia paulista. Quer dizer, não existe a boa pronúncia e isso é uma, é um fantasma que dominava a filosofia dos estudos linguísticos quando se via a língua como um produto natural que nascia, crescia e evoluia independente da vontade do homem. E hoje não, hoje a língua é vista como um produto social, não é? O Sapir diz que nós só falamos porque nascemos no regaço de uma sociedade. Então isso significa que cada região é a sua pronúncia, é o conceito de norma. O que é norma? Antigamente se imaginava “norma” como uma... alguma coisa unitária e uniforme. Hoje norma é o que é normal em cada região, a norma é o que é normal, fixada por uma tradição. De modo que, antigamente por exemplo, no Brasil havia essa ideia de que a melhor pronúncia era a do Pará porque no Pará nós tivemos uma maior influência portuguesa. E isso não existe. Não existe na França, qual é a melhor pronúncia francesa? Não existe. Não, é a pronúncia de cada região, já que a língua é um fenômeno exclusivamente social, histórico-social.

Malaca Casteleiro: Houve em 1986 uma tal reação em Portugal [...] que era impossível.

Evanildo Bechara: É o que eu digo, é a mudança da filosofia que preside à unificação ortográfica. Eu não proponho a abolição dos acentos. O que eu proponho é uma racionalização dos acentos onde tenham uma influência só de sílaba tônica, não de timbre, se aberta ou fechada, como faz por exemplo o espanhol. O espanhol teve mais sorte do que nós porque o espanhol só trabalha com cinco vogais. Eles não têm essa oposição /e/ /ê/ como nós temos, /o/ /ô/, porque eles ditongam as vogais breves. Mas de qualquer maneira nós temos que mudar a filosofia do emprego dos acentos. Se nós chegamos a uma filosofia de tal maneira que o acento marque a sílaba tônica, seja de timbre aberto ou fechado, mas marque a sílaba tônica e não generalizar o acento para todos os casos, nós chegaremos a isso. Numa página de Machado de Assis de 1896 ou 1900, se nós contarmos o emprego dos acentos, nós temos aproximadamente quatro ou cinco palavras acentuadas. Se verificarmos a mesma página num texto impresso depois das reformas ortográficas, aqueles quatro ou cinco acentos são duplicados ou triplicados. Essa é a presença do acento num texto moderno, de modo que o que o que nós devemos fazer é chegarmos a um denominador comum. Há um trabalho de um professor publicado num órgão da imprensa lisboeta onde ele pegou o vocabulário fundamental, são duas mil e tantas palavras. E ele verificou que a coincidência de acentuação entre Brasil e Portugal chega a 90%, quer para o emprego do acento agudo, quer para o acento circunflexo. De modo que a mudança de filosofia é procurar uma racionalização para esses 10% que contrariam a pronúncia, o uso do acento agudo ou do acento circunflexo entre Brasil e Portugal e o resto da Lusofonia. Quer dizer, o nosso problema de acentuação está nesses 10% que mostram uma divergência entre o emprego do acento. Nós teríamos que partir de aí, qual é a solução eu não sei, porque eu não estudei o problema, mas somos suficientemente, não digo inteligentes mas preparados, para chegarmos à solução desses 10%, porque os 90% já foram resolvidos por essa tradição ortográfica. De modo que por isso é que eu acho que o Brasil não devia entrar logo com o Acordo fixado. Por que? Porque se nós estudarmos mais a filosofia da ortografia nós poderemos chegar de aqui a um ano, dois anos, a um sistema que atendesse a todas as componentes da Lusofonia.

José Luís Rodrigues: Bom, então se não houver mais perguntas, tendo em conta já que é uma hora um pouco avançada, encerramos o ato. Mas quero-o fazer, agradecendo muitíssimo a presença dos quatro oradores tanto do colega de tantas lutas passadas, o Professor Martinho Montero Santalha, quase coetâneo meu, como da amiga, minha antiga professora que hoje é colega e amiga, Professora Maria do Carmo Henriques, como especialmente aos nossos convidados e representantes das academias e das universidades de Portugal e do Brasil, que estou certo voltarão muitas vezes mais a esta universidade porque esta universidade tem necessidade de escutar sempre a sua palavra sábia. E estou seguro disso. Muito obrigado a todos.

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[debate desde 1 h. 27 min. 40 seg. até o final]

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Transcrição da palestra do Professor Malaca Casteleiro

Mª do Carmo Henriques apresenta professor Malaca Casteleiro

Mª do Carmo Henriques apresenta professor Malaca Casteleiro

Muito bom dia. Não vai ser o meu propósito fazer uma apresentação de todo o extenso currículo do Professor Malaca, conhecido por todos os estudiosos da linguística e filologia portuguesa. Só vou citar nomeadamente um dos trabalhos que mais impacte teve em mim, que foi dirigir o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa, obra da qual posso presumir aqui que posso ser das poucas pessoas no mundo que tenho lido em numerosíssimas ocasiões e que tenho feito um levantamento exaustivo de todo o vocabulário jurídico deste dicionário. Dicionário que tenho sublinhado, marcado e perfeitamente iluminado e que, como fruto deste trabalho, surgiu a publicação de um livro em que se comparam justamente dous grandes dicionários, o dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e o dicionário da Real Académia Española. Com uma diferença notável, que no dicionário da Academia das Ciências de Lisboa era a primeira vez que esta conseguia finalizar um dicionário permanentemente inacabado, enquanto a Academia espanhola já estava na vigésimo segunda edição.

Que é o que posso eu dizer desta obra do nosso dicionarista? Eu penso que fazer um dicionário é uma obra permanentemente inacabada, é uma obra que só podem fazer pessoas entregadas dia e noite a um trabalho muito desagradecido, só pessoas que podem renunciar à família, aos amigos, ao vinho, à gastronomia, para estar ali no mundo das palavras, que é um mundo que nunca se acaba. Eu deste dicionário assinalaria, além do seu valor histórico, o labor minucioso que supõe partir dum corpus documental tão extenso e tão minucioso como o que abordaram o professor Malaca e toda a equipa de colaboradores que trabalharam com ele. Penso que apresenta uma das causas que mais valor dão a um dicionário e é o de incorporar sempre o lugar de onde se tira o uso da palavra. Dispor de um dicionário de autoridades, que é como se apresenta basicamente este dicionário, para mim tem um valor imenso, porque é um trabalho minucioso, é um trabalho duro, é um trabalho exaustivo, e eu penso que este trabalho não poderia ter sido feito se não existisse por trás uma cabeça, um organizador e, em poucas palavras, um sábio.

Dicionário Gramatical de Verbos PortuguesesA raiz da publicação deste dicionário tive a oportunidade de coincidir com o professor Malaca em vários encontros, nomeadamente na Universidade da Utah, por umas provas que se celebravam ali; estivemos nos Açores falando precisamente deste dicionário. O melhor que posso dizer do professor Malaca é que é um grande amigo da Galiza, é um combatente, resistente e defensor da unidade da língua portuguesa, em Lisboa. Tenho notícias de que até em Lisboa querem dividir a língua portuguesa por isso de que, pelos vistos, há muitíssimas divergências, e aqui o professor Malaca está a ter um posicionamento muito claro de defesa da unidade dentro da diversidade, pelo qual a minha admiração por ele tem que ser mais salientável.

E também quereria dizer já para finalizar que, em certa medida, a Real Academia espanhola está a imitar e a copiar o que estão a fazer a ACL e a academia brasileira. Nestes momentos a academia espanhola não é tanto uma academia normativa, prescritiva, como uma academia descritiva e está muito mais interessada não tanto no uso correto da língua como em manter a unidade da língua, como se pode ver ao consultar o Diccionário Panhispánico de Dudas. Hoje a academia espanhola o que busca é a unidade da língua e em toda obra que faz sempre aparecem todas as academias, têm um projeto político muito inteligente, é todo o contrário do que costuma acontecer entre galegos, portugueses e brasileiros. Prova disto é que no seio da academia há o grupo dirigido pelo professor García de Entrerría que se encarrega do léxico jurídico. Há outros grupos de trabalho que atendem nomeadamente a todo o que tem que ver com a psicologia e a psiquiatria. Há outro grupo de trabalho de historiadores. Há outro grupo de trabalho do mundo das ciências. Quer dizer que a academia espanhola -e não gosto muito de fazer aqui alusão à academia espanhola estando num ambiente lusófono mas, penso que há que partir sempre do paralelismo que pode haver com esta instituição- e é que curiosamente está a seguir o exemplo da ACL e a ABL, precisamente porque hoje em dia os estudos que há que fazer sobre as línguas, não podem estar à margem do que são todas as novas terminologias, não podem estar à margem do que são as novas inovações, de todos os novos avanços que estão tendo lugar no mundo e no campo das ciências. Continuamente o mundo científico está criando novos termos e precisamos novas definições, precisamos registar esse vocabulário no dicionário, mas como todos sabemos o dicionário nunca pode ser exaustivo, pode ser apenas selecionar uns vocábulos que possam permitir transformar todo esse caudal de vozes num manual, ou dous livros ou três livros, mas de nenhum modo toda a riqueza léxica pode estar num dicionário. Para mim foi uma grande emoção poder ver termos que utilizava o meu avó em Mugardos, então se era o meu avó, deveria fazer agora cento e tantos anos, como tinham uma marca de vulgar no dicionário da ACL, quer dizer, termos que o meu avó quando assistia ao carnaval em Mugardos -que sempre ia ao carnaval, como a minha mãe, sempre foram amigos do carnaval, e não eram brasileiros- que eram de Mugardos, comentava minha mãe que ele cantava por Mugardos e dizia: “quem me compra o nabo?... Quem me compra o grelo?... Quem me compra o meu cascarabelo?...” então as amigas da minha avó vinham a casa a dizer “Ah, Maria, teu marido anda por aí, anda dizendo estas palavras,...” e curiosamente estas palavras, não sei se para o do Brasil, mas para Portugal no meio vulgar ou se queremos obsceno também aí temos muitas similitudes, não só pela parte técnica mas também no plano vulgar e quase coloquial.

Já para finalizar, agradecer a presença na Galiza destes dous velhos conhecidos, destes dous grandes mestres, destas duas pessoas que podem servir de exemplo tanto para os que investigamos no mundo da filologia românica, por dizê-lo assim, como para os que têm concentradas todas as suas investigações no campo da linguística e da filologia galego-portuguesa, nomeadamente as que têm a sua sede nesta Universidade de Compostela e nomeadamente todos esses trabalhos de tanto rigor científico que está a dirigir o meu antigo aluno e hoje professor catedrático de Português da Universidade de Compostela. Agradeço de coração a presença destes dous grandes vultos e agradeço obviamente a Ângelo Cristóvão a oportunidade que nos dá, para poder desfrutar da sua amizade, da sua palavra e da sua ciência.

Obrigada.

Professor Malaca Casteleiro
Palestra do Professor Malaca Casteleiro
«Contribuição do Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa e do
Dicionário Houaiss para a unidade, na diversidade, da Língua Portugues

Desejo começar, em primeiro lugar, agradecendo o convite da Associação de Amizade Galiza-Portugal. Portanto, a minha primeira palavra é justamente de agradecimento. A segunda é de saudação, eu saúdo vivamente a iniciativa de criar uma Academia Galega da Língua Portuguesa porque há, com certeza, razões linguísticas, razões históricas, razões culturais, razões sociais para integrar verdadeiramente a variante galega do português na família comum da Lusofonia. Isso trará vantagens do ponto de vista linguístico, do ponto de vista cultural, do ponto de vista económico. Eu tenho muita pena que quando tratamos nas universidades as literaturas de expressão portuguesa, não esteja aí incluída a literatura galega. É um prejuízo porque, com certeza, que a Galiza ganhará com a integração da variante galega do português neste vasto espaço da Lusofonia. Há com certeza razões políticas para a integração ou não integração. Eu sobre as razões políticas não tenho autoridade para me pronunciar e apenas me pronuncio do ponto de vista linguístico.

Ora bem, o tema que propus, que sugeri para desenvolver aqui tem que ver, portanto, com os dicionários da Academia e o Houaiss da língua portuguesa e a sua contribuição para a unidade na diversidade da língua. Como todos nós sabemos, na competência linguística de um falante de uma comunidade há duas vertentes fundamentais. Há por um lado aquilo que consideramos a competência gramatical e por outro lado aquilo que consideramos a competência lexical, além das competências que têm que ver com a área comunicativa, com a competência comunicativa. Ora bem, do ponto de vista gramatical nós sabemos que as línguas se caracterizam por subsistemas, dentro deste o subsistema fonético-fonológico, o subsistema morfológico, o subsistema sintático, e o sistema ortográfico, que naturalmente é muito importante para a língua escrita, para a difusão da língua escrita e para a produção da unidade da língua escrita. Deste ponto de vista não há diferenças fundamentais no que respeita, portanto, à competência gramatical entre as variantes brasileira, lusitana, galega, e africanas que estão em formação. Portanto aqui encontramos uma unidade geral no que respeita ao sistema gramatical.

Porque aquilo que distingue efetivamente as diferentes variantes é pouco. No sistema fonético-fonológico são poucas as diferenças e elas não impedem a intercompreensão entre os vários falantes da Lusofonia. Não impedem realmente a intercompreensão. Por outro lado, as diferenças que existem são naturalmente lexicais e essas não têm também grande implicação na intercompreensão. Porque nós sabemos que do ponto de vista da competência lexical ela é extremamente variada. Varia com as regiões, varia com a cultura, varia com a formação escolar, varia ao longo da vida. Nós sabemos de projetos que na Europa se realizaram para várias línguas incluída a língua portuguesa, os projetos do estabelecimento do vocabulário fundamental das línguas, no nosso caso o português fundamental, que foi feito para a variante lusitana do português, mostrou que com 2222 palavras era suficiente para a comunicação nas situações do dia-a-dia, da vida corrente, portanto nós comunicamo-nos com relativamente poucas palavras na oralidade. O mesmo se verificou para o espanhol, para o francês, e para outras línguas onde este projeto foi levado a cabo. Ou seja, com cerca de 1500 ou 2000 e poucas palavras, unidades lexicais, nós conseguimos comunicar no dia-a-dia, na vida corrente, para satisfazer as necessidades fundamentais de comunicação.

Ora bem, depois o vocabulário individual vai crescendo, vai aumentando, pelas razões que acabei de apontar e naturalmente que numa pessoa culta o domínio vocabular rondará as 25.000 unidades lexicais. Num erudito, estudioso que trabalha com língua, com as diferentes épocas da língua pode ir às 50.000, mas com certeza não vai haver nenhum utente duma língua que domine 200.000 ou 300.000. Eu próprio, que coordenei a elaboração de um dicionário que tem 70.000 entradas lexicais não domino esse vastíssimo vocabulário todo, há algumas palavras que não sei se estão lá ou não estão, tenho que ir verificar. É impossível. Portanto, o nosso computador interno, mental, não tem uma capacidade tão grande que consiga armazenar um tão vasto leque de informação lexical. Portanto, aí há naturalmente variação. E agora os dicionários, o dicionário da Academia das Ciências e o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa apresentam variação. Eu vou apenas referir-me por um lado à macroestrutura dos dois dicionários, ou seja à nomenclatura que entra em cada um dos dicionários e por outro lado, à microestrutura ou à estrutura dos artigos, para os comparar, mostrar o que há de unidade entre eles e o que há de diversidade.

Antônio Houaiss (1915 – 1999)

Do ponto de vista da nomenclatura destes dicionários, disse que o dicionário da Academia tem cerca de 70.000 entradas lexicais. O dicionário Houaiss tem cerca de 218.000. Portanto, é um número muito maior. E essa corresponde a uma ideia de Antônio Houaiss, o saudoso filólogo brasileiro, que queria que, tal como existem para outras línguas -o inglês, nomeadamente- dicionários de uma vasta amplitude, também a língua portuguesa, que não é de somenos importância relativamente às outras, tivesse um dicionário de 400.000 ou 500.000 entradas lexicais. O dicionário que ele conseguiu produzir e que os seus continuadores, nomeadamente Mauro Vilar, continuaram, abrange um leque vastíssimo de entradas lexicais. Ora bem, nesta nomenclatura, tanto num dicionário como no outro houve a preocupação de manter vivo o espírito da Lusofonia. E portanto, na nomenclatura nós tivemos o cuidado de introduzir do lado brasileiro os lusismos, portanto, os termos portugueses que são próprios da variante, da norma lusitana do português, e por outro lado também os africanismos, os asiaticismos, e nestes nós criamos até termos para os designar: Angolismo, São-Tomensismo, Guineensismo, Moçambicanismo, Timorensismo, portanto acabámos por ter que de algum modo marcar esses termos como próprios nessas variantes e portanto nomeá-los através duma designação.

Eu tive a honra de ser convidado por Antônio Houaiss para me ocupar da introdução dos africanismos e asiaticismos no seu próprio dicionário, e dirigi uma equipa que integrava africanos dos vários países lusófonos e também de Timor e de Macau, portanto investigadores que trabalharam nessa área, no sentido de selecionarmos aquele número de vocábulos, aquele número de unidades lexicais mais características de cada uma das variantes desses países. É evidente que este trabalho, como disse a professora Maria do Carmo, o trabalho lexicográfico, o trabalho dicionarístico, é sempre um trabalho incompleto, é muito difícil ser-se exaustivo, e nesse domínio há muitos termos que infelizmente nós verificamos depois e que escaparam, que não foram registados. Mas esses termos foram registados na versão brasileira do dicionário Houaiss, e depois também na versão portuguesa desse mesmo dicionário, por causa das diferenças ortográficas, fundamentalmente. O professor Antônio Houaiss e os seus colaboradores quiseram que houvesse uma versão portuguesa do dicionário Houaiss e portanto nós fizemos também uma equipa, a minha, que elaborou essa versão portuguesa, a seguir à conclusão do dicionário da Academia, que foi concluído em Dezembro de 2000, nós lançámos imediatamente mãos à obra para elaborar a versão portuguesa do dicionário Houaiss. E levámos 16 meses. Portanto, em 16 meses com uma equipa de 10 pessoas nós conseguimos fazer a revisão completa desse dicionário. Até no sentido de detectar falhas, lacunas, erros, que a própria versão brasileira continha e que depois as transmitimos, tudo foi transmitido. Hoje, felizmente a electrónica permite-nos um contacto constante e imediato. Fizemos realmente esse trabalho e demos uma contribuição bem reconhecida do lado brasileiro para uma segunda edição desse dicionário no sentido de colmatar algumas lacunas, algumas falhas que o próprio dicionário tinha. Portanto, nós fizemos essa revisão completa e a edição portuguesa do dicionário Houaiss foi publicada pelo Círculo de Leitores, começou a ser publicada em Setembro de 2002 e sucessivamente ao longo de vários meses.

Anagrama da Academia das Ciências de Lisboa (fundada em 1779)

Essa primeira edição, pelas informações que tenho, vendeu logo 60.000 exemplares. Portanto, esse dicionário teve realmente uma repercussão muito grande. Infelizmente, nós em relação ao dicionário da Academia não temos o mesmo tipo de informação, eu não sei ainda hoje efectivamente quantos exemplares é que o dicionário vendeu até agora. Portanto, não temos uma informação tão aturada quanto aquela que tivemos na altura do dicionário Houaiss. Ora bem, do ponto de vista da nomenclatura, as diferenças que existem entre o acervo de entradas lexicais dum dicionário e doutro tem que ver com o objetivo essencial do dicionário e com a sua amplitude cronológica. O dicionário da Academia resume-se aos séculos XIX e XX. O dicionário Houaiss abrange desde o século XVI até à atualidade. Portanto ocupa uma época muito mais vasta.

Por que é que na Academia tomámos a decisão de nos concentrarmos nos séculos XIX e XX? Bom, como já foi dito pela professora Maria do Carmo na Academia havia duas tentativas anteriores de elaboração de um dicionário: a primeira que resultou na publicação de um volume para a letra A em 1793, então é o século XVIII, ou seja, treze anos depois da fundação da Academia, no qual logo uma equipa de três lexicógrafos e académicos começou a trabalhar e ficou realmente pela letra A, não teve continuidade, porque infelizmente a Academia não tratou bem estes lexicógrafos; primeiro, os nomes deles nem sequer aparecem na edição do dicionário; segundo, não lhes deu qualquer continuidade ao trabalho; terceiro, nem sequer lhes ofereceram um exemplar do dicionário e se o quiseram tiveram que o comprar. Logo dois faleceram em sequência, o outro ficou cego, e portanto o dicionário acabou aí, não teve continuidade. Só em meados do século XX graças à iniciativa do professor Jacinto Prado Coelho que formou uma equipa com Joseph Piel, alemão lusitanista para a área de etimologia, e com o professor Lindley Cintra é que lançaram mãos à obra, para a produção de um dicionário que ficou novamente pela letra A, com a diferença de que essa letra já não terminou em “azurrar”, como na primeira edição, o que se prestou a malévolas interpretações nomeadamente da parte de Herculano. Mas eu consegui descobrir uma palavra que é para além dessa e que era “azuverte” e então até na capa do dicionário a “azuverte” que designava uma ave de Timor, reparem em que esse nome saiu em 1976, no fim do império, com a queda do império de modo que até essa última palavra pode ser um símbolo relativamente a um termo do império político, porque o império da língua, creio, está vivo e bem vivo. Portanto aquele que era o Quinto Império na perspetiva de Vieira, depois de Pessoa, que retomou essa ideia, pode ser o império da língua, não é? Um império sem imperador. A língua será realmente um imperador.

Ora bem, essas duas iniciativas fracassaram. Em 1976 o professor Jacinto Prado Coelho quis fundar um seminário de lexicografia na Academia e pediu o apoio do Ministério da Educação onde estava um académico, de quem dependia realmente a aprovação daquela ideia, e esse académico por razões políticas disse-lhe que não, era dum outro partido relativamente ao professor Jacinto Prado Coelho, disse-lhe que não e o dicionário morreu por aí em 1976. Esse volume para a letra A levou vinte anos, eu trabalhei já dez anos nesse dicionário, os últimos cinco anos a concluir, a rever provas tipográficas, que era a imprensa nacional, [que] foi ela que editou o dicionário, e então só editava, imprimia o dicionário quando não tinha mais nada que fazer, mas como tinha sempre muito que fazer aquilo levou realmente vários anos. Portanto, quando nós retomámos o projecto em 1988 devido a uma iniciativa da fundação Calouste Gulbenkian, do seu presidente, que era o Professor Ferrer Correia, dizia ele -ele era um apreciador e um conhecedor do francês, ele falava magnificamente francês e consultava muito o Petit Robert- dizia: “que pena, nós não temos para a língua portuguesa um Petit Robert”, um dicionário do tipo do Petit Robert. E então nós agarrámos essa ideia que nos pareceu muito interessante. E limitámos então o nosso trabalho ao século XIX e XX para o qual tínhamos um corpus lexical muito importante que estava em elaboração no centro de Linguística da Universidade de Lisboa, que abrangia as literaturas lusófonas, portanto, portuguesa, brasileira, mas também africanas e que se alargava a área jurídica. Por exemplo, nós temos na área jurídica umas posturas, as publicações do Supremo Tribunal de Justiça que serviram de fonte documental, até os diários da própria Assembleia da República que também nos serviram de fonte documental. E alargámos também à área do jornalismo, portanto, porque os neologismos surgem desde logo na área jornalística, na literatura temos com certeza neologismos mas muitas vezes são mais do tipo idioléctico, são muito próprios, como em Mia Couto nós encontrámos uma quantidade de neologismos, mas são muito próprios, alguns deles depois passam ao uso comum como desconseguir, que é um termo criado por ele que depois se generalizou, mas outros ficam limitados ao autor. Ora bem, para nós registarmos no dicionário uma unidade lexical não podemos olhar só ao uso individual, temos que olhar a frequência, a distribuição do uso. Portanto, se o uso é generalizado então há razão para o introduzir, se se trata de um uso meramente individual então aí não haverá razão para o incluir na nomenclatura do dicionário.

Portanto nós com este corpus lexical riquíssimo tivemos possibilidades, como a professora Maria do Carmo salientou, de co-elaborar um dicionário com outros fundamentos e verdadeiramente um dicionário de autoridades, ou seja, em que as unidades lexicais, as aceções, o uso, estavam testados pelos escritores, mas também pelos jornalistas e por outras fontes documentais das diferentes áreas mais técnicas e científicas, a área jurídica mas também económica, também administrativa, etc. Ora bem, esta opção por um corpus lexical alargado que incluía por exemplo a área jornalística, os principais jornais, não foi muito bem acolhida por muitas pessoas ou por algumas pessoas, que achavam que só devíamos contemplar a literatura, as obras literárias, e não outras obras que fugiam realmente a esse domínio, como se a língua só fosse a língua literária, não é? Ora, a língua literária é uma componente da língua, há outras componentes que realmente temos que registar e se nos resumíssemos apenas à componente literária o dicionário seria com certeza muito mais pobre, e não constituiria verdadeiramente uma radiografia lexical do português que é usado em Portugal, fundamentalmente, mas também em África e também no Brasil.

 Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea

Porque na nomenclatura nós incluímos cerca de 6000 brasileirismos, portanto, não apenas unidades lexicais têm entrada própria como brasileirismos, mas também acepções de unidades lexicais que são de uso apenas no Brasil, incluindo cerca de 1000 unidades lexicais que são africanismos, asiaticismos. De modo que este dicionário que tem 70.000 entradas lexicais é muito limitado porque o limitámos ao século XIX e XX, para o que tínhamos um corpus lexical e, por outro lado, o grande problema relativamente aos projetos anteriores é que eram muito ambiciosos, portanto, pretendiam construir um grande dicionário da língua portuguesa, desde o século XVI (aqui a Idade Média pode ser mais específica e ter outros problemas), do século XVI à atualidade, em vários volumes, cada volume com... por exemplo, no de 1976 o projeto inicial eram três volumes, cada volume com dois tomos, esta estrutura também é um pouco discutível. Ora bem, ficou-se no primeiro tomo do primeiro volume. Então, realmente, em 1988 quando lançámos mão a esta obra, com o apoio financeiro da fundação Calouste Gulbenkian apoiado pelo Ministério da Educação dando-nos a possibilidade de contratar professores destacados do ensino, que eram dispensados das aulas e trabalhavam, portanto, na elaboração do dicionário, nós concebemos o dicionário da Academia como uma trilogia, portanto, em três grandes dicionários: o dicionário da língua portuguesa contemporânea, séculos XIX e XX, e depois o dicionário da língua portuguesa medieval, séculos XII a XV, -este está em curso- e por outro lado o dicionário de português clássico ou moderno -podemos ver qual será a designação mais adequada- que abrangeria os séculos XVI, XVII e XVIII. E portanto, em vez de um grande dicionário de vários volumes que levaria uma eternidade, com certeza, a fazer, e eu pessoalmente nem nenhum dos colaboradores tinha direito à eternidade, por esse motivo, nós optámos pelo século XIX e XX.

Ora bem, do ponto de vista da nomenclatura o dicionário Houaiss é muito mais amplo porque abrange 218.000 entradas, do século XVI à atualidade e, portanto, como dizermos, em domínio técnico e científico é muito mais rico, como não podia deixar de ser, e depois há aí uma grande quantidade de vocabulário que é próprio do Brasil.

 Houaiss

Portanto, se nós pensamos na riqueza imensa da fauna e da flora amazónicas e não só, e do Brasil em geral, há uma quantidade imensa de termos que um dicionário brasileiro tem que registar. Já num dicionário geral da língua levanta problemas, nós para o português tivemos que fazer seleção. Um outro domínio que também se me esqueceu é aquilo que chamamos os termos que designam habitantes. No Brasil há imensos termos para designar os habitantes das diferentes cidades, vilas, aldeias, regiões. Ora bem, nós fizemos apenas uma restrição desse número amplo de termos e registámos apenas até à cidade, e já não podemos ir, até à vila, aldeia, região, cidade, estado. Portanto, fizemos aí realmente uma seleção. Por conseguinte, do ponto de vista da nomenclatura há realmente estas diferenças, mas tanto um dicionário como o outro visam a promoção e a defesa da Lusofonia integrando termos próprios de cada um dos países lusófonos. Infelizmente nós não pudemos integrar os termos galegos e com muita pena, porque aí há problemas de ortografia que complicam. Há alguns problemas de ortografia que complicam realmente a introdução desses termos: “xente”, como é que vamos incluir “xente”, que tem uma grafia diferente? Portanto, já em relação, por exemplo, aos cabo-verdianismos tivemos algum problema porque, digamos do ponto de vista ortográfico, o critério que presidiu à constituição da ortografia do crioulo de Cabo Verde foi a ideia de a um grafema corresponder um fonema e só um. A cada grafema, um fonema, e no português não é esse o critério ortográfico, há muitos fonemas que têm vários grafemas para os representar e vice-versa e, portanto, de um ponto de vista lógico é muito interessante e defensável, mas de um ponto de vista prático não é, porque não é uma palavra da língua portuguesa. Uma língua como o crioulo cabo-verdiano, para se enriquecer, tem que acompanhar o desenvolvimento cultural, tecnológico, científico, portanto tem necessidade absoluta de buscar palavras novas, e uma fonte dessas palavras é o português. Então pegamos numa palavra portuguesa e a introduzimos no crioulo, e em vez de a introduzirmos com uma grafia do português, embora adaptando-a à morfologia do crioulo, acabamos por criar uma ortografia diferente, o que tornou difícil em muitos casos inserir no nosso dicionário tantas palavras próprias do crioulo de Cabo Verde que em Cabo Verde são usadas quando se fala português e se escreve português mas com grafia própria do crioulo cabo-verdiano. Ora para o galego acontecem esses problemas semelhantes do ponto de vista ortográfico.

Bom, eu não quero prolongar muito estas observações, estas considerações, vou agora apenas referir-me à questão da microestrutura dos dois dicionários, ou seja, à estrutura dos artigos. Desde logo, há uma diferença fundamental que tem que ver com o período, com o espaço histórico que os dois dicionários contemplam. Portanto, o da Academia, séculos XIX e XX, o dicionário Houaiss, desde o século XVI à atualidade. Mas há outras diferenças fundamentais, no dicionário da Academia, como é um dicionário de autoridades [que] regista para as unidades lexicais, para as aceções, até para as construções sintáticas próprias das palavras, sobretudo dos elementos predicativos, exemplos de autores. Portanto, há citações de autores, exemplos autênticos, não é? Ora o dicionário Houaiss dá exemplos construídos, produzidos ad hoc para ilustrar o funcionamento da língua. Bom, este processo é um processo perfeitamente legítimo porque os lexicógrafos que elaboram o dicionário conhecem bem a língua e, portanto, ao produzirem um exemplo, produzem-no de acordo com o que é a realidade da língua. Portanto, aí simplesmente há uma diferença fundamental entre exemplos construídos, fabricados ad hoc e exemplos que são retirados de obras produzidas, escritas, portanto, obras literárias e não literárias, há realmente esta diferença.

Uma outra diferença fundamental no que respeita à estrutura dos artigos tem que ver, por exemplo, com a componente morfologia, com a componente etimologia, etimológica. No dicionário da Academia damos a etimologia de uma forma muito sucinta, passa que no dicionário Houaiss, todo com a parte etimológica é muito mais desenvolvida, muito mais aprofundada, dando-se muitas vezes opiniões diversas relativamente à origem de uma palavra, ao étimo de uma palavra porque nem sempre há unanimidade entre os especialistas quanto à origem de uma determinada palavra, quanto ao étimo de uma determinada palavra. Depois, ainda do ponto de vista da estrutura dos artigos há um aspecto muito interessante e muito importante do dicionário Houaiss que é a deteção dessas unidades lexicais, a data de entrada na língua, e a data de entrada das aceções. Portanto, há aí uma informação vastíssima tendo em conta as fontes documentais históricas disponíveis, há aí esse dado que nos encontramos em documentos muito importantes do francês, do inglês e doutras línguas e que para o português é o primeiro dicionário que tem essa preocupação da deteção da entrada da palavra na língua ou da respetiva aceção.

Academia Brasileira de Letras (fundada em 1896)Por outro lado, ainda do ponto de vista ortoépico, nós transcrevemos a pronúncia lisboeta, fundamentalmente, das unidades lexicais, portanto, na entrada do dicionário nós temos uma palavra e entrada, unidade lexical e entrada e depois logo imediatamente a seguir damos a transcrição fonética, segundo o alfabeto fonético internacional, da pronúncia da palavra, mas segundo a variante lisboeta. Bom, também isto foi discutido e é discutível porque não é igual a pronúncia de uma palavra como /leite/, eu digo /leite/ que é mais a pronúncia do centro, de Coimbra, /leite/, um lisboeta diz /lêite/, não é?

Ora bem, aqui nós num caso ou noutro utilizamos, representamos a dupla pronúncia mas não fizemos sistematicamente. É claro que já não falo de pronúncia alentejana que é /lêti/ Portanto, pelo menos as duas pronúncias deviam ter sido registadas. Na próxima edição do dicionário, na seguinte edição, nós temos que ser mais... como é que vou dizer? Mais tolerantes relativamente ao registo da pronúncia, e registámos apenas por uma questão de que o dicionário é para o contexto português, a pronúncia portuguesa, porque é evidente que a pronúncia brasileira é diferente, não é? Mas essa não a registámos, o dicionário era da Academia das Ciências de Lisboa para a área do português de Portugal. Ora bem, em Houaiss há algumas informações ortoépicas mas são muito pontuais, portanto, não há a transcrição fonética da pronúncia de uma forma sistemática como nós realmente o fizemos no dicionário da Academia. Depois há outras diferenças, mas no que respeita, por exemplo, às construções sintáticas, no que respeita ao que chamamos as combinatórias fixas, há um grande número de combinatórias, sei lá, por exemplo, “sala de jantar” e “fim-de-semana”. Nestas combinatórias, “sala de jantar” nunca é hifenisado, nunca é escrito com hífen. “fim-de-semana” aparecia, já nos aparecia nas fontes documentais, umas vezes escrito com hífen, outras vezes sem hífen e optámos por registar com hífen. Portanto, “fim-de-semana”. Ora, a hifenação de uma palavra é constituída em certo modo como uma certidão de nascimento lexicográfica, isso dá direito à combinatória de ser registada como entrada lexical, não é? Então na ordem alfabética nós encontramos “fim-de-semana” grafado com hífen; “sala de jantar” não, porque não é grafado com hífen, então esta combinatória, que é fixa, como sabem, tem propriedades específicas: não se pode inserir, eu não digo “uma sala grande de jantar”, “uma sala de jantar grande” ou “uma grande sala de jantar”. No interior da palavra não introduzo outros elementos. Em salas de jantar, é o primeiro elemento o que vai para o plural, não é o segundo, portanto há aí um certo número de propriedades que permitem identificar uma sequência lexical como combinatória. Ora bem, nós registámos cerca de 22.000 combinatórias deste tipo, mas registámos na entrada sala e também na entrada jantar e é definido na primeira sala de jantar porque o significado é opaco. A sala de jantar não é só aquela sala onde se janta, é também a sala onde se almoça, é onde se toma o pequeno-almoço, portanto é a sala das refeições, e ela é definida na primeira vez que ocorre em sala e depois em jantar remetemos para o primeiro.

Portanto, temos aqui dois dicionários, para concluir, porque não quero abusar do tempo. Estes dois dicionários apresentam diferenças lexicais substanciais no que respeita à nomenclatura, no que respeita à própria estrutura dos artigos, ao modo como eles são compostos, elaborados, mas isso não atenta contra a unidade essencial da língua. Portanto a unidade essencial da língua é definida pelo sistema gramatical e não pelo sistema lexical. E o sistema gramatical é o mesmo que está presente nas duas obras. Muito obrigado.

Ver vídeo das conferências

[apresentação de Maria do Carmo Henriques dos 41 min. 05 seg. aos 51 min. 23 seg.]
[palestra do professor Malaca Casteleiro dos 51 min. 23 seg. a 1 h. 27 min. 40 seg.]

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Crónica das Conferências de 8 de Outubro de 2007

Conferências de 8 de Outubro de 2007

Professores Evanildo Bechara (ABL) e Malaca Casteleiro (ACL)
participaram no evento

A Comissão Promotora da Academia Galega da Língua Portuguesa organizou as conferências dos académicos Evanildo Bechara e Malaca Casteleiro em Santiago de Compostela, em passada segunda-feira, 8 de Outubro de 2007. O primeiro acto público desta Comissão começou às 12 horas no Salão de Graus da Faculdade de Filologia, Universidade de Santiago.

O evento foi apresentado polo catedrático de língua portuguesa da Universidade de Santiago e Presidente da Comissão Linguística da AGAL, José Luís Rodrigues, que numas breves palavras soube desenhar a essência do acto a realizar.

Professor Evanildo Bechara: «A Academia Brasileira de Letras deve prestar maior atenção à Galiza»

Martinho Montero Santalha, professor da Universidade de Vigo e porta-voz da Comissão Promotora da Academia Galega da Língua Portuguesa, fez um fermoso e breve pormenor biográfico do professor Evanildo Bechara, da Academia Brasileira de Letras, em que ocupa actualmente a função de Tesoureiro, e repassou a sua importante obra com um especial destaque para a sua Moderna Gramática Portuguesa, que já regista a 37 edição, revista e ampliada.

O Professor Bechara tratou na sua intervenção dous interessantíssimos assuntos: a história da Academia Brasileira das letras, fundada no ano 1886 no Rio de Janeiro, e que teve de primeiro Presidente Machado de Assis até ao seu falecimento em 1908. Falou também do conteúdo dos estatutos, citando o Artigo 1º, referido ao "cultivo da língua e literatura nacional", onde o singular de nacional faz referência à literatura brasileira, pois a língua, para a ABL, é uma só. Falou-nos também do papel de António Morais Silva, o seu dicionário e a relação com a ABL; dos objectivos actuais da ABL e da disponibilização de recursos; sua composição, os trabalhos que nela se fazem, e da incorporação da componente linguística e filológica em anos recentes.

Passou logo o académico brasileiro a falar dos problemas do Acordo Ortográfico, e fez um repasso das distintas tentativas de chegar a um consenso entre o Brasil e Portugal. Expus uma opinião sobre a parte mais problemática do acordo de 1990: a pretensão fazer um modelo de acentuação com base na fonologia, sob o princípio de que a escrita corresponde à fala; sugeriu como solução ideal a redução dos acentos muito significativamente, mas não como proposta a realizar de imediato. Disse o professor que o português tem em toda a parte uma mesma morfossintaxe, e mais dum noventa por cento de coincidência. Infelizmente, com menos do dez por cento de discrepância fonológica, fazemos grandes problemas. Ele proporia, como ideal, começar de novo a discutir o acordo ortográfico partindo de bases novas, pois só pode haver unidade da escrita se esta for repensada sob outros critérios. Por último, salientou a importância de conceber a Lusofonia como uma unidade na diversidade. Anunciou que vai propor à Academia Brasileira de Letras um alargamento a toda a lusofonia, e defendeu a necessidade de essa instituição prestar uma maior atenção à Galiza.

Professor Malaca Casteleiro: «Temos que ser poliglotas dentro da própria língua»

A Catedrática da Universidade de Vigo Maria do Carmo Henriquez Salido fez a apresentação do professor Malaca Casteleiro, da Academia de Ciências de Lisboa, assinalando a sua importância no campo da lexicografia e na elaboração do dicionário da ACL, que tão útil está a ser para os seus trabalhos no âmbito da linguagem jurídica, que é, aliás, um dicionário com "exemplos vivos". Lembrou a sua relação pessoal com Casteleiro, um "firme e ferrenho defensor da unidade da língua".

Começou o professor Malaca agradecendo o convite da organização. Assinalou conceitos indicados por Bechara, afirmando que: "temos que ser políglotas dentro da própria língua", e sabermos inserir a diversidade na unidade.

Logo as palavras do professor nos mergulharam em dous projectos lexicográficos nada contrários entre si, mas complementares: o dicionário da Academia de Ciências de Lisboa, com 70.000 unidades lexicais, no que se recolhe a língua portuguesa dos séculos XIX e XX e no que se incorporam Brasileirismos, africanismos e asiatismos. Por outro lado o dicionário Houaiss, com 218.000 unidades lexicais, onde se recolhe o português dos séculos XVI a XX. Foi Casteleiro que dirigiu a equipa que preparou a edição portuguesa deste dicionário, editada polo Círculo de Leitores e da que já foram vendidos sessenta mil exemplares. Em 16 meses revisaram o dicionário na sua totalidade e até corrigiram alguns erros que nele havia, mudanças serão incorporadas na próxima edição brasileira.

Casteleiro delineou a seguir uma história da Academia de Ciências de Lisboa e dos seus dicionários ou tentativas de dicionários, e as peripécias da sua génese. Como director da equipa realizadora do dicionário da ACL, o atento e entusiasmado público ficou deliciosamente informado da intra-história dessa publicação. Lembrando que os dicionários Houaiss e o da Academia partem de perspectivas filosofias distintas, trata-se de duas excelentes obras nada contraditórias entre si. Anunciou que no futuro vai haver nova edição do dicionário e que os galeguismos poderiam também ser incorporados. Também está em perspectiva a edição de um dicionário abrangende dos séculos XVI a XVIII.

O académico da ACL tratou a seguir o assunto do acordo ortográfico e os problemas que enfrenta, ao ser a ortografia "um campo da soberania política" no mundo lusófono. Manifestou-se bastante pessimista sobre a possibilidade de o acordo vigorar em Portugal no curto prazo, e até deu a entender os problemas isto poderia provocar. Casteleiro realizou uma revisão da história dos acordos ortográficos, complementado nalguns aspectos a magnífica exposição do professor Bechara.

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