António Gil Hernández: «Considero necessário constituir uma Academia Galega da Língua Portuguesa»

António Gil Hernández; desenho de Carmen Novoa Diz (Ginzo de Límia, 1951- Acrunha, 2002) III Seminário de Políticas Linguísticas, a decorrer de 26 a 28 de Março, divulga obra do professor António Gil Hernández e a análise da situação sociolinguística galega actual

PGL - É uma das pessoas chave do impusionamento, em seu dia, do reintegracionismo organizado. Co-fundador da AGAL, o seu muito trabalho dedicado a defesa, promoção e luta pela dignidade do português da Galiza será alvo de estudo, análise e divulgação no III Seminário de Políticas Linguísticas, agendado de 26 a 28 de Março na Faculdade de Ciências Políticas da Universidade de Santiago e organizado pela Associação Amizade Galiza-Portugal. Do PGL quisemos conhecer em primeira mão alguma das opiniões do Prof. Gil Hernández, que amavelmente nos atendeu.

Após três decadas de trabalho sociolinguístico na Galiza, resta-lhe um algo por fazer ou por oferecer a respeito?

Permito-me avisar que o meu trabalho não é estritamente sociolinguístico nem propriamente sociológico; talvez nem seja trabalho... Eu fui fazendo nos âmbitos do reintegracionismo um jeito de atividades diversas que nem sei como denominar: de IDEAÇÃO?, de ORGANIZAÇÃO? de AÇÃO? Pode ser. Na realidade os meus textos contêm uma mistura desses três aspetos, nem sempre equilibrada. Ousaria afirmar que todos eles se ajustam ao que digo na nota inicial do livro Temas de Linguística Política:

Apenas me aventuro a comentar faces da situação idiomática galega antes por mim ignoradas (ou quase). Exponho-as com o intuito de que outros, cientistas, sábios ou teorizadores, investiguem (e completem) dados, discutam teorias (quase nem esboçadas neste texto), compartilhem (ou não) opiniões e o que houver de saberes: destarte talvez logrem fazer ciência a partir do que nem alcança o rango de experiência arrazoada.

Bom, ao caso: Acho que não me "resta" muito a fazer (depois do feito); talvez me "some" e me "sume" demais. Quero dizer que (pela minha "culpa") estou metido aparentemente num beco sem saída, num enguedelho fatal que, como a droga, cria dependência, embora, a teor da "racionalidade" nacionalista espanhola, careça de futuro. Contudo, é justamente isso que o torna mais aliciante. Pelo menos para mim.

Seja como for, o verso inicial do poema "Penélope", de Díaz Castro, parece ser, para grande parte dos notáveis galegos e dos menos notáveis, o guia das suas atuações: "Um passo adiante e dous atrás, Galiza." Essa, para alguns, teima, mas para mim incitamento e alicerce de racionalização, acompanha-se doutra teima-incitamento, que se compendia no consenso arredor de silêncios sobre pessoas e, mormente, sobre assuntos vitais, que parecem envolver esta Terra.

A AGAL comemora neste 2006 25 anos da sua criação. O que é o mais gratificante para você nos 25 anos de reintegracionismo organizado?

A pergunta, como todas, é inocente, mas a resposta não o será. Vejamos. Enquanto co-fundador [sic] da AGAL, vou aos cornos do touro como forcado, forçado, e respondo:

1.- Satisfaz-me a difusão do reintegracionismo. Tenho na mente protagonistas certos: Pessoas galegas, nadas nesta Terra ou noutras, a julgarem necessário que a Galiza alcance existência digna, como conjunto humano, como sociedade organizada. Um dos meios para o conseguir, a meu ver elementar, é a língua, mas como no mundo das ciências sociais e da política se entende (e funciona): como LÍNGUA NACIONAL.

Cada vez mais pessoas, acho, entendem que a dignidade da Galiza alicerça na dignificação da sua língua e da correlativa rede comunicacional, fazendo com que aquela se torne em LÍNGUA NACIONAL, a começar pela forma (a ultrapasar a ortografia simples).

2.- Porém, não me satisfaz o facto de a concepção reintegracionista, lusofónica, ainda carecer de práticas extensas. De atrás venho dizendo que, se na Galiza houvesse vinte ou trinta pessoas (notáveis) que praticassem consequentemente a Lusofonia, já estaria refreada a "guerra normativa" (que lhe dizem). Portanto, não me agrada que os notáveis (essas possíveis trinta pessoas...) não queiram aproveitar o facto de os países da Lusofonia terem admitido a Galiza nos ACORDOS do Rio (1986) e de Lisboa (1990) a meio da representação de Organizações Não Governamentais. (E não só porque eu estivesse no de Lisboa...)

Nos últimos anos, no entanto, deu a baixa da AGAL. O que é que não gosta da actual linha dessa associação?

Antes de mais nada hei-de dizer que não dei nenhum passo para me retirar da AGAL. Sim reconheço que, como já o tenho explicado em mensagens ao PGL, estou longe bastante dos atuais critérios do Conselho e da Comissom Linguística, de que fiz parte.

Não discuto nem discutirei atividades realizadas ou por realizar; não são essas as que me afastam da AGAL.

Porém, discuto o encravamento, esse ficar detido, como se algum Ente paralisasse a Associaçom e a impedisse aproximar-se do português comum, sob o pretexto de não ser forma adequada às falas galegas. Discuto-o porque os reticentes a essa aproximação (como hispanófonos que também são) têm constância da propriedade do castelhano comum relativamente aos diversos e mesmo divergentes castelhanos que pelo mundo adiante há.

Quando bastantes membros da AGAL singularmente deram o passo às formas comuns e, mormente, quando na Lusofonia está a avançar, apesar de tudo, a assunção do Acordo de Lisboa, que necessitadamente será cumprido num prazo relativamente curto, carece de todo o sentido esse teimar em construir uma norma gráfica galega, face (ou contra) a portuguesa e brasileira.

A meu ver, o trabalho dos notáveis galegos lusófonos deve visar dous pontos, fulcrais:

a) A ORTOFONIA galega. Acho que não é objetivo menor, sobretudo porque o isolacionismo imperante (em que estamos envolvidos) está a "fixar" uma fonia nada galega, descerradamente castelhana, mas castelhana de Castela, nem sequer andaluza ou canária, que em grande medida desvirtuariam menos o sotaque galego (refiro-me ao "sesseio" e à pronúncia apical do S, como é habitual na Costa da Morte). Seja dito pelo direito, sem reviravoltas.

b) O LÉXICO galego (a incluir, por exemplo, preferências sufixais). Bastaria tomar como base e ponto de partida os dicionários Estraviz (galego), Houaiss (brasileiro) e Malaca (português).

Por sinal, vê hipôtese de uma [necessária] unidade de acção do movimento reintegracionista galego? É possível?

Essa unidade foi conseguida em diferentes ocasiões. Deveras a unidade de ação é necessária, como necessária é a diversificação de atividades: Não podem nem devem fazer todos o mesmo; sobejam mais explicações, acho. A unidade de ação deve evidenciar-se nas ações ad extra, para fora da "Comunidad Autónoma de Galicia", face à Galiza "exterior" espanhola (as Astúrias, o Berzo) e face à "Galiza portuguesa", face ao Brasil e os PALOPes e, mormente, face às instituições, como as "Cortes" espanholas ou o Parlamento europeu.

Todavia, há uma unidade prévia, ainda a conseguir, como apontei acima: Deve ser ultrapassado o polimorfismo na escrita, que deve ser comum. Hoje constituir uma norma gráfica galega, simétrica da portuguesa e da brasileira (segundo cá costuma presumir-se) nem para dentro nem para fora tem sentido, porque essas são, apesar de tudo, variedades da norma gráfica comum, enquanto a norma gráfica galega que a AGAL promove não pode ser considerada (a meu ver) simples variedade de aquelas.

Insisto: Faça a Comissom Linguística da AGAL o seu labor, depois de assumir que a Galiza fez parte nos Acordos do Rio e de Lisboa, e forneça ao reintegracionismo todo a ORTOFONIA e o LÉXICO galegos dentro da norma gráfica comum.

Ainda mais: Considero necessário constituir uma ACADEMIA GALEGA DA LÍNGUA PORTUGESA, velha proposta e aspiração do amigo Martinho, que o "Reino de España" dificilmente permitirá, mas que na República portuguesa pode ser legalizada com relativa facilidade. O reintegracionismo galego teria então uma referência comum, para além de associações e mesmo de atividades diversificadas, que contribuiria eficazmente a criar a consciência de universalidade, de que tanto precisam a Galiza e os seus notáveis.

Montero Santalha, de um par de anos para cá, está a divulgar um dado esmagador: Nos dias de hoje apenas 5,3% das crianças se instalam em galego (ou português da Galiza). Quais as causas para termos chegado a essa situação e quais os remédios para revertê-la?

Curiosa e nada paradoxalmente essas causas (e motivações) são re-conhecidas e até compartilhadas por isolacionistas e não isolacionistas. Mas que é o que acontece? Uns refugiam-se sob as instituições espanholas, depois de as declararem "normalizadoras" natas do "galego normativo". Outros (a grande maioria), perante tal razoamento "democrático", caem num estado de catatonia social e idiomática. Por fim bastantes progredimos como podemos... e como nos deixam todos eles.

Opino que do "Reino de España" apenas deve esperar-se (e exigir-se) que, se for estado democrático, cumpra o "Título I" da sua Constitución (1978) e não estorve aos cidadãos espanhóis (que somos) o exercício dos direitos fundamentais. Dos artigos desse Título, acho que os fundamentais são o 10.º § 2 e o 14.º. Vou permitir-me citá-los:

"Las normas relativas a los derechos fundamentales y a las libertades que la Constitución reconoce se interpretarán de conformidad con la Declaración Universal de Derechos Humanos y los tratados y acuerdos internacionales sobre las mismas materias ratificados por España" e "Los españoles son iguales ante la ley, sin que pueda prevalecer discriminación alguna por razón de nacimiento, raza, sexo, religión, opinión o cualquier otra condición o circunstancia personal o social."

Há esperança, porém, para a sobrevivência da língua na Galiza? O reintegracionismo, como proposta e como movimento, pode ainda ser peça-chave?

Se dissesse que não há esperança, seria o mais miserável dos humanos (apesar de tudo, existem castelhanos humanos...). Há esperança enquanto há vida. Contudo, para responder a pergunta, acudo a um critério prático, que enuncio assim:

"Enquanto o "Reino de España" dedique dinheiros e entidades suas (RAGa, ILGa, JdGa, ...) a "normalizar" o "galego normativo", há esperança de o Galego ou português galego poder alcançar, contra esses dinheiros e entidades, a normalidade, prévia à naturalização dos novos utentes."

Por outras palavras: Quando não haja possibilidade de recuo na incorporação de utentes de Galego —falantes e/ou escreventes—, desde esse momento o "Reino de España" deixará de executar [sic] ações "normalizadoras" do seu "galego normativo". Aduzirá "razões" "democráticas", que mais ou menos soarão: "Como la mayoría ya no quiere hablar gallego, no podemos obligar a que se use masivamente. Por lo tanto, dejamos de dar subvenciones y otras ayudas."

De facto assim vem procedendo: Quando nega subsídios porque não é utilizado o "galego normativo". Quando na distribuição de "axudas" não atende à qualidade do texto, mas à obediente fugida de "todo o alleo ó galego". Quando são alternativamente premiados os bons servidores do Reino (o júri de hoje é amanhã objeto de prémio), etc.

Aliás, passaram a reduzir o uso de "galego normativo" nos média ou a enredá-lo com a "copla española" e com visitantes egrégios hispanófonos... É certo que por vezes aparece nas ondas algum lusófono, mas quando, quanto e em que condições?

Seja como for, o Reino está a dedicar dinheiros excessivos e muitas entidades (com gentes que recebem os dinheiros) a "normalizar" o "galego normativo"... Portanto, como acima digo, há esperança para o português galego, para a Lusofonia galaica.

Qual é o papel do reintegracionismo em todo esse processo? Básico e "altúrico". Se os reintegracionistas não tivessem agido e agitado na Galiza, haveria tempo que o processo aniquilador do português galego (e do "galego normativo"!) estaria muito avançado, muito mais avançado do que hoje está. O reintegracionismo, acho, é a base e a altura do processo normalizador da sociedade galega e do consequente processo naturalizador da sua LÍNGUA NACIONAL.

Fonte original:

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