Macau revisitado

Chrys Chrystello

Chrys Chrystello (*)

A inquietude persegue-me desde que saí da Europa em 1973 e me abri ao conhecimento universal e multicultural. Adquiri uma errância mais própria de nómadas ciganos do que das minhas origens sedentárias de marrano galaico-português. Esta inconstância assola-me mais desde que me arquipelizei nos Açores há seis anos sendo caraterizada pela infidelidade no amor à ilha que habito. De cada vez que daqui saio e visito ou conheço nova ilha apaixono-me loucamente como se fora um jovem adolescente de sangue quente em busca de paixões avassaladoras como são os amores da juventude. A minha ChrónicAçores retrata amores de Timor, Macau, Austrália, Brasil, Bragança e Açores e retratará esta paixão súbita surgida do nada que foram dez dias em Macau e adjacências. Acordo a pensar em Macau, deito-me a sonhar com ela, divago todo o dia em mil e um recantos que guardo ciosamente na memória com medo de os perder.

Essa mistura imagética que combina culturas e sons persegue-me com a sua mística enleante, atrai-me, chama-me e seduz-me em trajes provocantes, pede-me que a descubra como outrora a descobriram os portugueses que por ali andaram quinhentos anos. Agora, em vez de uma imagem mítica de uma Macau retrógrada e com algumas pinceladas portuguesas, surge uma nova identidade mais embiocada voltada ao futuro, à rapidez do progresso de prédios construídos com andaimes de bambu, de estradas, pontes e túneis. Da vontade de criar coisas novas sem descurar a herança do passado que marca a diferença entre esta urbe e as restantes megalópolis asiáticas. Nela, revi alguns esconsos lugares que guardava na memória velha de trinta anos, e redescobri uma cidade nova pujante de vida e de futuro, onde dantes habitavam fantasmas de passados coloniais cheios de plumas ocas de governantes que mais não eram do que tigres de papel como aqueles que levamos à praia de Hác Sa para voar ao domingo. Revi amigos e familiares como se só ontem me tivesse apartado deles não sem que antes deixasse cair a lágrima furtiva ao canto do olho, pelas memórias dos bons momentos passados juntos. É sempre bom saber que ainda há gente octogenária disposta a conduzir horas para se encontrar comigo quando muitos outros mais novos nem sequer um passo dariam para o fazer.

Ao contrário de Vasco da Gama e das suas ofertas de colares de contas e outras bugigangas, fomos recebidos como se pertencêssemos a um séquito imperial na corte da dinastia Qing, que nisto de ancestralidade e de cultura e de sabedoria os chineses já as cultivam há milhares de anos. Assim aprenderam a tratar os forasteiros que veem por bem, sem devaneios de um Quinto Império, apenas trazendo na bagagem o sonho de uma Lusofonia universal que a todos irmane num mesmo denominador comum, uma língua que falamos, trabalhamos e vivemos, qualquer que seja a raça, o credo ou a nacionalidade.

Esta viagem ao sortilégio mágico dos orientes foi a primeira para muitos, para outros tratou-se de revisitar memórias, rever lugares e pessoas e redescobrir espaços e tempos que em uma qualquer situação foram importantes. Para mim, havia a agenda secreta de cumprir mais uma missão impossível, salvar um crioulo em vias de extinção, com a ajuda de todos os que, denodadamente, no local o tentam manter vivo. Para isso haveria de congregar esforços e lutas e abrir novos rumos que nisto de insularidades já levo a minha conta de aprendizagens feitas por medida no alfaiate dos sonhos.

Deixei Macau em 1982 depois de seis anos de permanência numa modorra ocidentalizada, entorpecida pela opiácea sonolência dos que aqui viviam sem rumo nem guia para encontrar uma cidade e ilhas pujantes de uma vitalidade assustadora, numa voragem de progresso que se não compadece com o lento reviver de memórias passadas mas ainda assim as respeita e preserva para delas obter mais-valias e benfeitorias.

A cidade fervilha de gente e de atividade, incapaz de parar e se deleitar com as glórias passadas nesta nova realidade de um país e dois sistemas preservando muitos dos antigos encantos e acrescentando os traços inelutáveis da modernidade dos seus 28 casinos que são o motor e o combustível de novas quimeras. Aqui, tem-se a sensação de que querer é poder, quer na reconquista de terrenos ao delta do Rio das Pérolas que já duplicou a área do território, quer na busca incessante por novas atrações que lhe permitam ser a mais moderna e a mais antiga das cidades na Ásia e a única ainda com respeito pela sua herança arquitetónica ocidental.

A hospitalidade e a gentileza das gentes desvaneceram todos, encantando e tornando irrepetível este 15º colóquio da lusofonia, desde os banquetes aos pequenos detalhes e atitudes pensadas numa minúcia que só as mentes orientais conseguem. Nada fora deixado ao improviso - como é apanágio de portugueses e brasileiros – e tudo funcionou num rigor de fazer corar os pontuais britânicos. Em todos ficou a mágoa da falta de tempo para ver e aprender mais e – estamos certos – muitos vão querer voltar para continuar a lição eterna de aprendizagem que carateriza a mente oriental. Isto apesar de muitos não se terem acostumado a olhar para o lado correto da estrada, nas passadeiras onde os peões têm de se precaver do ininterrupto trânsito. Assim como temiam, por vezes, comidas que desconheciam inacostumados a tentar o que é novo e desconhecido, mais preocupados em dominar a maestria dos pauzinhos do que perder os pitéus e iguarias que se sucediam em ritmo alucinante qualquer que fosse o local de almoço ou jantar.

Os colóquios da lusofonia sempre primaram pela facilidade com que tornam desconhecidos em amigos e colegas e desta vez Macau não foi exceção, criando-se pontes entre culturas, levando a que ateus visitassem compungidamente templos budistas, taoistas e outros numa busca incessante de respostas a questões fundamentais que os atormentam, antes de se perderem na voragem consumista da Rua das Mariazinhas.

Gostava de saber responder à colega que me perguntou sobre o turbilhão de emoções que devia andar dentro de mim, não pude nem sei. Uma controversa mistura de sensações, cheiros, cores e dores. A emoção descontrolada de voltar aonde se não pensou mais regressar, rever pessoas nunca esquecidas mas afastadas pela longueza dos mares, revisitar passados e viver presentes sonhando futuros, esta poderia ser a resposta mas nem eu estou certo de que o seja. Criou-se uma vontade imensa de voltar, viver mais intensamente esse mundo a que chamei meu durante uns anos e depois arquivei no ficheiro perdido das memórias. Recuperar lembranças e criar novas referências futuras partilhadas com a mulher e filho benjamim. Lastimar as ruinas do velho Hotel Estoril na Sidonau Pasi (Av. Sidónio Pais) onde vivi seis meses, os primeiros da minha estada em Macau, apreciar as lagoas artificiais na Praia Grande em frente à casa onde vivi anos, hoje um mero prédio pequeno no meio de enormes arranha-céus. Perder-me na vila de Coloane parada no tempo e nos templos onde um grupo de jovens chineses fazia poses na montra da pastelaria onde se anunciavam os (portuguesíssimos) Pastéis de Nata. Não visitaria os casinos que desses as memórias são nefastas, mas aproveitaria para revisitar todos os prédios ora recuperados, pintados e revitalizados e que os portugueses haviam deixado cair na incúria e no desleixo de ocupantes ingratos da península. Havia de percorrer o circuito da Guia em novo formato e de faces remodeladas lembrando as reportagens que lá fizera. Ver as ilhas em busca de lugares perdidos nos tempos e memórias, reencontrar alguns amigos e conhecidos que não se dignaram vir ver-nos e redescobrir a nova Macau que ficará para sempre gravada na memória dos que nos acompanharam. Agora, resta cumprir os projetos delineados:

  1. DENTRO DO ESPÍRITO DE CONSTRUÇÃO DE PONTES DA INSULARIDADE QUE CARATERIZOU ESTE 15º COLÓQUIO DA LUSOFONIA FOI DECIDIDO CONVIDAR – FUTURAMENTE – TRADUTORES DE MACAU E DA R. P. DA CHINA PARA TRADUZIREM OBRAS DE AUTORES PORTUGUESES DE MATRIZ AÇORIANA PARA CHINÊS.

  2. APOIAR A CRIAÇÃO DE UMA CADEIRA DE ESTUDOS DE PATUÁ (EM LOCAL E MOLDES A DEFINIR) E RESPETIVA BASE DE DADOS SOBRE O PAPIAÇAM DI MACAU E O PAPIÁ KRISTANG DE MALACA E APOIO ÀS ENTIDADES QUE SE DEDICAM QUE SE DEDICAM A TAL ESTUDO

  3. GARANTIR DESDE JÁ A DISPONIBILIDADE TOTAL DOS COLÓQUIOS PERANTE O IIM, A ESCOLA PORTUGUESA DE MACAU, O GRUPO DE TEATRO DÓCI PAPIAÇÁM DI MACAU DO DR MIGUEL DE SENNA FERNANDES, A APIM PRESIDIDA PELO DR JOSÉ MANUEL RODRIGUES, E DEMAIS ENTIDADES INTERESSADAS EM ESTABELECEREM EM LINHA UMA PUBLICAÇÃO REGULAR DE CADERNOS DE PATUÁ, TAL COMO A AICL FEZ PARA OS CADERNOS E SUPLEMENTOS DOS CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS. IGUALMENTE SE PRETENDE AO ABRIGO DO RECENTE PROTOCOLO COM O IIM E DO MEMORANDO DE ENTENDIMENTO COM O IPM ESTUDAR A POSSIBILIDADE DE – EM CONJUNTO COM A ESCOLA PORTUGUESA DE MACAU – CRIAR UMA CADEIRA DE ESTUDOS DE PATUÁ A MINISTRAR PRESENCIALMENTE E, POSTERIORMENTE, PREPARAR UMA VERSÃO DESSES ESTUDOS EM PLATAFORMA E-LEARNING/E-ENSINO.

  4. PROPOR A COEDIÇÃO NOS PRÓXIMOS DOZE MESES DE UMA ANTOLOGIA DE AUTORES MACAENSES CONTEMPORÂNEOS, SE POSSÍVEL BILINGUE (PT-CH) COM BASE NO PRÉ-ESTUDO FEITO PELA COLEGA LURDES ESCALEIRA E TRABALHOS DE RECOLHA FEITOS PELAS COLEGAS ROSÁRIO GIRÃO, ANABELA MIMOSO, RAUL GAIÃO, MARIA JOSÉ REIS GROSSO ENTRE OUTROS, BUSCANDO PARA O EFEITO PARCERIAS LOCAIS QUE APOIEM O CUSTO DA EDIÇÃO E DA DISTRIBUIÇÃO.

  5. PROPOR À TDM (ENTRE OUTROS POSSÍVEIS PARCEIROS) A REALIZAÇÃO DE UM ESTUDO HISTÓRICO TIPO DOCUMENTÁRIO SOBRE A IMPORTÂNCIA DA PRESENÇA DE AÇORIANOS EM MACAU (EXº D. JAIME GARCIA GOULART, D. JOÃO PAULINO DE AZEVEDO E CASTRO, D. ARQUIMÍNIO DA COSTA, D. JOSÉ DA COSTA NUNES, D. JOSÉ VIEIRA ALBERNAZ, D. MANUEL BERNARDO SOUSA ENES, D. PAULO JOSÉ TAVARES, JOSÉ MACHADO LOURENÇO E PROFESSOR SILVEIRA MACHADO, ENTRE OUTROS.

* Diretor da AICL (Associação Internacional dos Colóquios da Lusofonia) e Presidente da Comissão Executiva dos Colóquios.

Mais info sobre os Colóquios da Lusofonia:

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