Usemos a nossa fala
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O vice-presidente da Academia Galega, Isaac Alonso Estraviz, foi recentemente convidado pelo grupo de Pensionistas e Jubilados do sindicato Comisións Obreiras de Ourense para falar sobre a nossa língua e a necessidade de usá-la. A sua conferência esteve subordinada ao título "Usemos a nossa fala".
Professor Isaac Alonso Estraviz (*)
O vice-presidente da Academia Galega, Isaac Alonso Estraviz, foi recentemente convidado pelo grupo de Pensionistas e Jubilados do sindicato Comisións Obreiras de Ourense para falar sobre a nossa língua e a necessidade de usá-la. A sua conferência esteve subordinada ao título "Usemos a nossa fala".
O evento teve lugar no passado dia 26 de abril, às 20h00, nos locais que o sindicato tem em Ourense. Assistiram por volta de 20 pessoas que, durante a hora e meia que durou o ato, estiveram muito interessadas nas palavras proferidas pelo professor Estraviz, acabando mesmo com uma animada tertúlia.
A seguir reproduzimos na íntegra o texto que serviu de roteiro para a exposição do vice-presidente da Academia Galega da Língua Portuguesa. Nele o professor Estraviz exprime de maneira breve mais didática a sua visão sobre diversos assuntos: a necessidade de falarmos com naturalidade qualquer língua, a questão do bilinguismo ou a enorme riqueza da nossa língua.
USEMOS A NOSSA FALA
1.- Falar com naturalidade uma língua
Por indicação de José Luís Cambeses, vamos ter uma tertúlia sobre a necessidade que temos os galegos de sentir-nos orgulhosos da nossa língua e de usá-la com a naturalidade com que todos os povos usam a sua.
Tenho percorrido bastantes lugares –de Espanha e do estrangeiro- e em todas partes comprovei a naturalidade com que falavam. Nas Astúrias, em ambas Castelas, Estremadura e Andaluzia ninguém pedia permissão para empregarem os seus próprios falares, nem sempre iguais uns aos outros. Nem pediam desculpas a quem vinha de fora por atuarem assim. Era natural.
Desloquei-me, estando em Albacete, a Maiorca, e, ainda que conhecem o castelhano, todos se dirigiam a mim em catalão. E amigos meus maiorquinos, às vezes, tentavam exprimir-se comigo em castelhano e eu pedia-lhe que continuassem a falarem no seu rico catalão balear. Como deve ser. Quando um dia cheguei a Lheida todos falavam catalão, um catalão diferente do de Barcelona, para mim muito mais autêntico. O mesmo o de Maiorca. Em Barcelona todas as rádios emitiam em catalão e a gente falava o mesmo idioma. Uma vez andando polas Ramblas, vim que duas senhoras iam falando entre si. Uma em catalão e outra em castelhano. A que falava catalão era galega. Segundo me comentou um pároco as moças galegas que iam a Barcelona aos seis meses estavam totalmente integradas na sociedade e língua catalã.
E não falemos na França, na Alemanha ou na Inglaterra onde ninguém che vai mudar de língua, nem por educação, nem por nada do mundo. Em todos estes territórios e outros muitos, muitos, todos falam com naturalidade e orgulho a sua língua.
2.- Bilinguismo
Já sei que estades pensando que o nosso caso não é o mesmo, pois pertencemos a um país com uma língua oficial que todos devemos saber. Isso é-vos um conto já muito velho.
Primeiro, o galego como o castelhano, é um idioma espanhol ou não? Segundo, os galegos somos espanhois de segunda classe ou somos espanhois como todos os demais? Se o galego é um idioma espanhol, como tal idioma terá a mesma dignidade que o castelhano, sim ou não?
Ser bilingue é uma riqueza ou uma pobreza? Tende em conta que ser bilingue pode referir-se a pessoas ou territórios. Se falamos em pessoas, logicamente é mais rico o que sabe falar duas línguas que o que sabe falar só uma. O mesmo que é muito mais rico o que fala três, quatro, cinco, etc. Ser bilingue territorialmente, significa que nesse território se usam duas línguas. Mas duas línguas em contato uma termina por enfraquecer, debilitar, ir substituindo a outra até que a faz desaparecer totalmente, ficando alguns substratos quase imperceptíveis polos utentes.
Portanto, bilinguismo pessoal é uma riqueza. Bilinguismo territorial é uma pobreza. E que não vos venham com o conto de que um território bilingue é uma riqueza. Se isso é assim porque o território espanhol não é todo ele bilingue. Eu não quero privilégios que não sejam comuns a todos. Ou jogamos todos ou rompemos a baralha.
Pensar que num estado falar vários idiomas é ir em contra da unidade nacional é um grande disparate. Na Bélgica falam-se três idiomas: francês, holandês e alemão de jeito que na zona francófona só se fala francês, na holandesa só holandês e na alemana só alemão. Na Suiça falam-se quatro idiomas: alemão, francês, italiano e romanche e o mesmo que na Bélgica não há rotura do país.
A história de Espanha é uma sarta de mentiras desde o começo ao momento atual. O primeiro reino, e católico que houve, foi o suevo da Gallaecia... A primeira língua com rango literário e universal –para toda a península- foi o galego.
3.- Bilinguismo negativo e bilinguismo positivo
Em Porto Rico, como sabeis, falam-se dous idiomas: castelhano e inglês. Quando em Porto Rico se proclama o castelhano como língua oficial portorriquenha, em contra do inglês, concede-se-lhe o prémio Príncipe de Astúrias. Presidia o júri Fraga Iribarne. Ali o bilinguismo é negativo. Na Galiza, Catalunha e Euskadi é, no entanto, possitivo. Porque? E mesmo na Galiza Fraga Iribarne inventou o chamado bilinguismo harmônico para de um jeito sibilino acabar com o galego sem os galegos se darem conta. Tanto é isto assim, que nos últimos quarenta anos se perdeu mais galego que nos quinhentos anos anteriores. No ano 1987 não se ouvia ninguém polas ruas de Ourense falar castelhano. E hoje?
4.- Com orgulho, com dignidade, defendamos em todo momento o que é nosso
Como galegos e espanhois defendamos o que é nosso. Falemos-lhe a todo o mundo, com a cabeça bem erguida e com o orgulho de povo diferente, o nosso idioma. Falemo-lo entre nós, com os filhos, com os netos, com todos os que nos rodeiam, sejam de cá ou de lá. Assim livraremo-nos dos complexos que nos abafam e ajudaremos aos outros a enriquecerem-se cultural e humanamente. A ninguém se lhe pede que renuncie ou aborreça a sua língua, a sua cultura, a sua origem territorial. Mesmo integrando-se noutra cultura devem conservar o orgulho de serem o que são. A essa sua riqueza acrescenta-se outra nova. O seu cerebro aumenta, não fica reduzido, o seu coração ensancha-se e o seu universalismo faz-se realidade.
O ano passado, em Compostela, Marilar Alexandre, excelente escritora galega, natural de Argüelles (Madrid), nos contava como ela e outros vários professores comunistas vindos de Madrid, se integraram plenamente no novo ambiente e aos poucos meses lecionavam as aulas em galego. Hoje conta com uns jardins na cidade compostelana. E não por isso deixou de ser madrilena!!
5.- A enorme riqueza da nossa língua
Durante muitos anos falou-se, e os galegos chegaram a assumirem, que a nossa língua era um pobre dialeto. Nos seminários e casas monásticas estava proibido falar galego e os que o faziam eram ridiculizados, menosprezados e castigados. A Igreja jerárquica galega foi, e continua a ser não sei por quanto tempo, alienante e alienadora. Não conheço atualmente caso similar. E falam, falam, e nem eles sabem o que dizem.
O galego, derivado do latim, ainda hoje continua a ser uma das línguas mais latinas de jeito que um latino que chegasse do outro mundo seriam poucas as diferenças que notasse. Tem uma riqueza vocabular imensa. Comprovai-no no meu dicionário que, estando todos os dias a meter novas palavras não se acaba nunca. Temos palavras para todas as cousas. Não lhe supera o castelhano por muito que vos digam.
Desde o ponto de vista comercial tem tantas saídas ou mais que o castelhano. Pois se este com o nome de castelhano ou espanhol se fala em diferentes países, o galego com o nome de português se fala na Europa, na América, na África, na Ásia. Por isso quando alguém vos diga que das Portelas do Padornelo para fora o galego não vos serve para nada, respondei-lhe que que saindo por Chaves ou Tui sim que vale e muito, cousa que o castelhano por aí acabou.
Calo agora mesmo e deixo que faledes vós com plena liberdade.
Tenho dito.
Isaac Alonso Estraviz
Ourense, 26 de abril de 2011
(*) Fonte da Foto: www.aelg.org | Autoria: Santos-Díez (Ollo de Vidro-ACAB) (2009).