Intervenção de Ângelo Cristóvão, secretário da AGLP, na Conferência "Promoção e Difusão da Língua Portuguesa"

No contexto da Conferência "Promoção e Difusão da Língua Portuguesa", Ângelo Cristóvão, secretário da AGLP, apresentou a «Lei para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a Lusofonia», recentemente aprovada por unanimidade no Parlamento da Galiza.

No contexto da Conferência "Promoção e Difusão da Língua Portuguesa", Ângelo Cristóvão, secretário da AGLP, apresentou a «Lei para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a Lusofonia», recentemente aprovada por unanimidade no Parlamento da Galiza.

O evento teve lugar na Universidade de Aveiro -Auditório da Reitoria- em 11 abril 2014, sob a organização da Comissão Temática de Língua Portuguesa dos Observadores Consultivos da CPLP e com a colaboração da Academia Galega da Língua Portuguesa.

Transcrição da intervenção

Exmo. Sr. Reitor da Universidade de Aveiro, Exmos. Sres. Embaixadores, Excelências,

Em primeiro lugar quero agradecer a oportunidade que me é oferecida para intervir nesta Conferência, e dar os parabéns à Comissão de Língua Portuguesa dos Observadores Consultivos pela organização desta série de encontros.

No anterior evento, realizado em Faro em 11 de outubro, durante uma breve intervenção, indiquei que em breve teria lugar uma mudança importante na Galiza em relação à Lusofonia. A amabilidade da organização permite-me hoje apresentar estas novidades.

Em 30 de outubro passado, na "II Conferência Internacional sobre a Situação da Língua Portuguesa no Sistema Mundial" interveio o meu colega Joám Evans Pim, na sessão sobre Políticas de Língua na Galiza, para apresentar a Iniciativa Legislativa Popular Valentim Paz-Andrade, e o Parecer elaborado pela Comissão Promotora, em que se indicavam algumas linhas de desenvolvimento dessa futura lei. No mesmo painel, os docentes de língua portuguesa Joseph Ghanime e Antia Cortiças Leira apresentavam diversos aspetos da sua experiência como professores de português para galegos.

O texto da iniciativa popular, apresentado no Parlamento pelo Sr. José Morell, aqui presente, com a assinatura de 17,000 cidadãos, depois de algumas adaptações, acréscimos e melhoras, foi aprovado por unanimidade dos deputados do Parlamento galego em 11 de março deste ano, convertendo-se na lei 1 / 2014 e entrando em vigor o dia 9 do mês em curso. O seu nome é «Lei para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a Lusofonia« que por comodidade podemos chamar Lei do Português e a Lusofonia.

Gostava de apresentar este documento, salientar alguns aspetos legais e fazer algumas considerações sobre o seu possível desenvolvimento. O texto inclui 5 artigos, precedidos por uma explicação de motivos.

A exposição de motivos, como a lei em si, constitui uma viragem de rumo na política institucional galega, porquanto situa a língua portuguesa e a integração no espaço lusófono com desígnio estratégico da Galiza. Cabe indicar que, durante as últimas décadas, essas posições foram promovidas e defendidas em solitário por entidades da sociedade civil. Saliento dous aspetos:

a) Reconhecimento do valor instrumental da língua da Galiza, e do português como variedade internacional do galego, definido como "intercompreensível" com o português comum.

b) Reconhecimento do valor histórico e político da Comissão Galega do Acordo Ortográfico, que participou em qualidade de observadora nos acordos ortográficos de 1986 no Rio de Janeiro e 1990 em Lisboa, que serve de precedente e justificação da lei.

Artigo 1, texto literal:

Os poderes públicos galegos promoverão o conhecimento da língua portuguesa e das culturas lusófonas para aprofundar nos vínculos históricos que unem a Galiza com os países e comunidades de língua portuguesa, e pelo caráter estratégico que para a Galiza têm as relações económicas e sociais, no quadro da Euro-região Galiza - Norte de Portugal.

O artigo primeiro estabelece o dever genérico de promoção da língua portuguesa e as culturas em língua portuguesa, o que poderia refletir-se na criação de relações estáveis, institucionalizadas, para o intercâmbio de produções culturais a nível bilateral e multilateral, salientando especialmente as relações com Portugal.

Artigo 2, texto literal:

O Governo galego incorporará progressivamente a aprendizagem da língua portuguesa no âmbito das competências em línguas estrangeiras nos centros de ensino da Comunidade Autónoma da Galiza.

COMENTÁRIO: O artigo segundo estabelece a obrigação de introduzir o ensino da língua portuguesa nos centros escolares galegos, isto é, no ensino primário, secundário e na formação profissional.

Este artigo refere-se ao jeito em que articulará, dentro das possibilidades da atual legislação em vigor, a introdução do português no ensino, numa primeira fase no quadro de competências em línguas estrangeiras. É a fórmula de consenso para que as autoridades promovam uma língua que os galegos percebemos, mas que desconhecemos na sua vertente internacional. Isto obriga ao estabelecimento de um regulamento para a contratação de professores e a validação de novos materiais didáticos em língua portuguesa elaborados especificamente para os alunos galegos. Como já tem sido indicado, ao aceder aos estudos de português, os galegos, sem qualquer contacto prévio como o Acordo Ortográfico, entram diretamente no nível intermédio, o que não acontece com estudantes de outras latitudes linguísticas e culturais.

Artigo 3, texto literal:

Deverão ser promovidas, também, as relações a todos os níveis com os países de língua oficial portuguesa, constituindo este um objetivo estratégico do Governo galego. De maneira especial, fomentar-se-á o conhecimento desta língua polos empregados públicos, a participação das instituições em foros lusófonos de todo tipo - económico, cultural, ambiental, desportivo, etc. -, bem como a organização na Comunidade Autónoma galega de eventos com presença de entidades e pessoas de territórios que tenham o português como língua oficial.

COMENTÁRIO: O terceiro artigo faz referência à promoção do português entre os empregados públicos e o relacionamento internacional, a todos os níveis, do plano diplomático ao para-diplomático, com os países de língua oficial portuguesa. Há aqui duas fórmulas possíveis e compatíveis, uma, o relacionamento bilateral da Galiza com países e regiões autónomas, e outra, a integração de entidades galegas, oficiais ou da sociedade civil em organismos internacionais como a Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Tudo isto poderia ser articulado com a criação de organismos especificamente destinados a estes fins.

Artigo 4, texto literal:

1. A Junta da Galiza promoverá e estimulará ante o Governo a adoção de quantas medidas positivas

resultassem necessárias para a aplicação das disposições da Diretiva 2007/65/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de serviços de meios audiovisuais sem fronteiras, com o fim de favorecer e permitir a reciprocidade das emissões televisivas e radiofónicas entre a Comunidade Autónoma da Galiza e a República de Portugal, com a que compartilha património linguístico.

2. A Companhia de Radiotelevisão da Galiza promoverá os intercâmbios de produções audiovisuais e de programas completos ou partes destes nos diversos géneros televisivos, bem como a colaboração em matéria de projetos audiovisuais novos, a cooperação no emprego de meios de produção técnicos e humanos e a posta em comum de conhecimento aplicado à produção audiovisual ou à gestão empresarial, com televisões de língua portuguesa, especialmente naqueles âmbitos suscetíveis de atingir as maiores possibilidades de benefício mutuo e recíproco.

COMENTÁRIO: Uma das consequências práticas é que serão emitidos conteúdos em português, na versão original, na televisão e rádio públicas galegas. É claro que se abrem aqui possibilidades de colaboração, de experiências e programas de desenvolvimento que, do nosso ponto de vista, deverão atender à multipolaridade com que é percebida e entendida atualmente a Lusofonia, o que aponta para a necessidade de parcerias. Pretende-se que os galegos tenham acesso ao conhecimento da realidade dos países e comunidades de língua portuguesa, e que estes conheçam também a realidade galega, numa ótica integradora e enriquecedora para todas as partes.

Artigo 5, texto literal:

O Governo galego realizará anualmente um relatório em relação ao cumprimento desta lei, no que se farão constar, de forma pormenorizada, as ações levadas a termo, o seu custo e as previsões que efetua para o exercício seguinte. O dito informe remeter-se-á ao Parlamento da Galiza.

CONSIDERAÇÕES

1.- Sem qualquer género de dúvida, é o resultado do esforço da sociedade civil ativa num contexto político desfavorável durante décadas. É fruto do trabalho das associações lusófonas galegas com vocação cívica e cultural que, desde a década de 70 do século passado, trabalharam para conseguir uma mudança como a atual.

2.- Acordo político e consenso. Com bom critério o governo autónomo galego entendeu a importância de conseguir o máximo apoio político para a lei. Como foi dito e explicado por vários deputados no debate parlamentar que levou à aprovação do texto em 11 de março, a Comissão Promotora foi interlocutora direta, negociando o texto final com o governo e grupos políticos da oposição. O acordo conseguido reflete um acordo político e social para a integração da Galiza no espaço lusófono. A unanimidade parlamentar é a melhor garantia para que o processo seja conduzido por vias consensuais. Pode facilmente imaginar-se que, de algum modo, o governo central não está longe destes parâmetros.

Ao assumirmos esse papel como interlocutores adquirimos a responsabilidade de contribuir, dentro das nossas capacidades, para o pleno desenvolvimento da sociedade galega. O Acordo implica a nossa disposição para acompanhar as diversas medidas de desenvolvimento do texto legal que possam vir a ser adotadas. Quanto à Academia Galega da Língua Portuguesa, os seus estatutos referem a capacidade para assessorar os poderes públicos em relação às políticas de difusão e ensino da língua portuguesa.

3.- O consenso é, por definição, significado de abertura, de colaboração. Para a redação do texto legal mantivemos reuniões com destacadas entidades culturais tradicionalmente distantes ou contrárias à lusofonia galega. A sua opinião foi tida em conta. O novo repto é encontrar a fórmula para integrá-las neste consenso. O relacionamento da Galiza com os países de língua portuguesa foi durante décadas um projeto de grupos associativos cívicos e culturais. Agora é também a posição institucional da Galiza.

4.- Relacionamento preferente com Portugal. Outro aspeto que gostaria de comentar é o facto de a «Lei para o aproveitamento da Língua Portuguesa e vínculos com a Lusofonia« incluir o relacionamento preferente com Portugal, no Art. 1 refere-se ao "caráter estratégico que para a Galiza têm as relações económicas e sociais, no quadro da Euro-região Galiza – Norte de Portugal«.

Essa redação é coerente com a tradição de aproximação luso-galaica do início do século XX até hoje, e com os factos que a linguística demonstra em relação à unidade da língua. Está explícito nos esforços de Manuel Rodrigues Lapa, da década de 1920 até ao seu falecimento, por integrar o galego como variedade do português. Está na obra de Joám Vicente Biqueira, na década de 20 do século passado. Faz parte essencial da obra de Ernesto Guerra da Cal, que favoreceu a participação galega nos Acordos Ortográficos. Está na obra de Ricardo Carvalho Calero, uma das maiores personalidades da cultura galega do século XX, cujo nome ainda é tabu nos âmbitos oficiais da Galiza.

5.- Contributo da Academia Galega. Em cumprimento das funções estatutárias, o presidente da nossa Academia, o professor José-Martinho Montero Santalha apresentou, em 2009, um primeiro contributo lexical galego, de 1200 palavras, destinado a ser incluído no Vocabulário Ortográfico Comum, numa sessão pública da Academia das Ciências de Lisboa.

Durante os anos seguintes, constatando os impedimentos que foram colocados à nossa participação no Vocabulário Ortográfico Comum, a Academia decidiu elaborar o Vocabulário Ortográfico Galego, tão completo quanto possível, e tão abrangente quanto conveniente, que irá além das 80,000 entradas. A tarefa foi encomendada à Comissão de Lexicologia e Lexicografia. Será apresentado durante o ano em curso e disponibilizado gratuitamente na página web da Academia.

Aproveito a oportunidade para anunciar também, mas esta já não é uma novidade absoluta, o lançamento, nos próximos meses, do Dicionário Estraviz atualizado e acrescentado, o Dicionário Galego da Lìngua Portuguesa. Ambos, Dicionário e Vocabulário, em cumprimento do nosso compromisso de aplicação do Acordo Ortográfico. Com mais de 140,000 entradas, o dicionário pode ser utilizado por qualquer utente da língua portuguesa, se bem que oferece preferentemente as soluções do português europeu.

Finalizo indicando que o dicionário será disponibilizado também gratuitamente na internet, numa colaboração conjunta entre as principais entidades lusófonas galegas: Fundação AGLP, AGAL e Fundação Meendinho. Mais uma vez é a sociedade civil que assume a sua responsabilidade.

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