"Nascemos com modéstia,
mas com grande desejo de trabalhar e de fazermo-lo a sério"
G. Uz - Após vários meses de trabalhos, recentemente apresentou-se ao público a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP). O acto contou com a presença de académicos de renome de vários países lusófonos, como o brasileiro Evalnildo Bechara ou o português João Malaca Casteleiro, assim como representantes do mundo académico galego e da própria Junta da Galiza.
Passados os primeiros dias da maré de reacçons —de adesom e de reijeiçom que provocou o anúncio, do Novas da Galiza quigemos falar com o presidente da AGLP, o professor José-Martinho Montero Santalha (Cerdido, 1947), para que comentar com ele os primeiros reptos que deve enfrentar a nova Academia.
- Como se vê em Portugal e no Brasil que 'na Espanha' se crie umha academia em cujo nome se fai referência à língua portuguesa?
Polo que pudemos comprovar na apresentaçom pública, acho que o vírom com entusiasmo, simatia e aberto apoio. Temos solicitado a sua solidariedade e dérom-no-la expressamente. Sabem que a situaçom na Galiza é complexa e complicada.
- Quais devem ser as primeiras tarefas a realizar por parte da AGLP?
A primeira, que exista. Já se constituiu e agora deve funcionar. Depois, começar a realizar actividades. Toda a gente envolvida no projecto, desde os membros da Academia aos sócios da Associação Pró-AGLP, vai continuar com todo o trabalho que já estava a realizar, cada pessoa nos seu respectivo ámbito. Por outra parte, agora estamos a estabelecer qual é o léxico galego autêntico, o especificamente galego, para incluirmo-lo em dicionários portugueses. Acreditamos que é um trabalho necessário, já que nalguns sítios pode-se ver como 'galego' cousas que realmente som disparates e castelhanismos.
- Quem lhes realizou essa encomenda?
Foi um pedido que nos fizo há já bastante tempo a Academia das Ciências de Lisboa e que começamos agora.
- Significa isto um argumento menos para o isolacionismo, desde onde se vem criticando como pretexto contra a unidade linguística que além Minho nom reconhecem como próprio o léxico galego ao tempo que nós sim aceitamos o seu?
Desde logo é um facto decisivo. Actualmente já há algum dicionário dos mais importantes que recolhe certo léxico que é comum à Galiza e que, porém, em Portugal é considerado 'regionalismo'. Da ACL dérom-nos total liberdade para lhes enviarmos a listagem que considerarmos pertinente, nom nos limitárom a escolha a um número determinado de palavras.
- Como se pretende que seja o relacionamento da AGLP com o resto do movimento normalizador?
Lembremos que muitas associaçons e centros sociais contam com comissons de língua...
Queremos que seja sempre cordial e de coordinaçom. Como Academia, sempre procuraremos agir mais no âmbito científico do que no social, pois cada organizaçom tem de ter o seu papel, e acho importante que seja assim. O ideal seria que todas as organizaçons se comprometessem com a Associação Pró-AGLP, pois de algum jeito intenta ser umha entidade aberta a toda a gente interessada no nosso idioma e na unidade lingüística galego-portuguesa.
- Falou antes do pedido da ACL, mas como é o relacionamento com outras entidades científicas do âmbito lusófono?
Ainda acabamos de nascer, mas avança, e neste dias já se recebêrom convites para participarmos em vários eventos. O ideal, acho, seria que a Galiza fizesse parte da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, mas actualmente isto parece difícil, já que tem umha concepçom e estrutura política. Contudo, é um objectivo polo qual cumprirá seguir luitando.
- No número 68 do NGZ entrevistámos o presidente da Real Academia Galega. Perguntado pola iminente constituiçom da AGLP, Xosé Manuel Barreiro respondeu que ele preferia «falar de cousas sérias»...
Nós estamos sempre abertos a colaborar com qualquer instituiçom comprometida com a língua, mas a RAG tem a sua história e umha prática já conhecida. Pola nossa proposta, nós consideramos que somos alternativa, e afirmamos isto sem fechar a porta a possíveis colaboraçons com a RAG, e mesmo reconhecemos o valor científico de alguns trabalhos de determinados membros dessa Academia. De qualquer jeito, nascemos com modéstia, mas com grande desejo de trabalhar e de fazermo-lo a sério e com convicçom.
O filólogo e dirigente nacionalista vincula
certo isolacionismo com «espanholia»
PGL - Num artigo publicado hoje num conhecido jornal electrónico, o filólogo e dirigente nacionalista Francisco Rodríguez valora a criaçom da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP). O responsável de Formaçom do BNG lembra que o nacionalismo, historicamente, sempre defendeu a unidade linguística galego-portuguesa.
Para ele, a defesa da unidade partiu sempre de um critério que se fundamentava em «sólidos raçoamentos e comprovações [...]. Nom se deixárom perturbar polo facto de ser Portugal um estado independente e a Gailza umha naçom negada, convertida em província da Espanha imperial», assegura no artigo.
Rodríguez continua afirmando que a teoria isolacionista, isto é, a defesa de um galego como 'língua de seu', só começou a tomar forma com a chegada da democracia e a instauraçom da autonomia política para a Galiza. Deste jeito, segundo o ex-deputado, «a normativa do galego [...] elaborou-se com critérios totalmente alheios aos da normativa do português, enfatizando as diferenças, assegura.
Na sua opiniom, as pessoas encarregadas deste labor optárom por afastar «artificialmente» o galego do português, umha orientaçom que qualifica de «anti-portuguesa» e que as mais das vezes respondia a um posicionamento ideológico «espanholista». Chegado a este ponto, Rodríguez vincula o isolacionismo galego com o valenciano (ou blaverismo, que nom reconhece a unidade da língua catalã com as falas valencianas), e atribui ambas correntes a um «isolacioinsmo agitado pola espanholia»
Francisco Rodríguez finaliza o artigo referendo-se à AGLP. Para ele, a sua apariçom nom é negativa, contrariamente a algumhas «reacções desaforadas e sintomáticas». Contudo, o responsável nacionalista acha que a soluçom nom é a terminológica, isto é, denominar o galego 'português da Galiza', mas «dar passos claros, práticos, para reintegrar o nosso idioma no seu espaço natural, o galego-português».
Destarte, a apariçom desta Academia valoriza-a como «a resposta extra-oficial, filológica, extrema a umha deformaçom e negaçom recorrente», àquela que nom reconhece a unidade linguística.
"As pessoas na Galiza têm que saber
que a nossa língua é o português da Galiza"
O jornal La Región, sediado na cidade de Ourense, publicou na passada segunda-feira, dia 13 de outubro, uma extensa entrevista ao presidente da Academia Galega da Língua Portuguesa, José-Martinho Montero Santalha. Na entrevista, o professor destaca que "manter o galego como língua independente do português o condenará a desaparecer" e defende para ela a denominação "português da Galiza".
Ainda, o presidente da Academia explica as razões que motivam o surgimento deste novo projeto, bem como o relacionamento que a AGLP terá com as instituições galegas e mais a Real Academia Galega, além de abordar diversas questões como a delicada situação que atravessa a língua na Galiza e as possíveis soluções para a sua supervivência e revitalização.
José-Martinho Montero Santalha entrevistado no programa Bos Días
PGL - O presidente da Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), o catedrático José-Martinho Montero Santalha, foi entrevistado hoje de manhá no programa Bos Dias, do canal público Televisión de Galicia. A entrevista foi emitida ao vivo às 09h41 e prolongou-se durante 10 minutos.
Na mesma o presidente da AGLP respondeu diversas perguntas, desde a denominação da língua, até os passos e trabalhos a fazer pola nova academia, passando por questons relativas à fonética, à escrita, à economia, ou a discriminaçom e grave situaçom em que se encontra a língua galega ou português na Galiza neste momento.
Na última pergunta, Montero Santalha manifestou que a AGLP está pronta para colaborar com Política Linguística, embora entenda que essa instituiçom esteja submetida às leis do momento e, portanto, tenha que as cumprir.
"A AGLP deve bater-se pela ideia de que o galego
não é uma língua em divergência com o português"
José Ramom Pichel / Valentim R. Fagim - Carlos Reis é um dos professores mais reconhecidos em Portugal e um firme defensor do Acordo Ortográfico para o português. Grande amigo da Galiza, já em 1983 apoiou a proposta de integração do nosso País na Lusofonia, quando apresentada por uma delegação galega no contexto do I Congresso da Língua Portuguesa.
Estivemos com ele no passado dia 6 de Outubro, data em que esteve em Compostela dando apoio à Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP), no dia da Sessão Inaugural das suas atividades.
Como é visto por um português médio a existência na Espanha de uma Academia Galega da Língua Portuguesa?
Nesta altura acredito que não seja ainda uma iniciativa muito divulgada. Mas quando for, eu acho que o português médio vai sentir orgulho nisto, por que vai perceber que a língua portuguesa, além dos espaços em que é normalmente falada (o Brasil, Angola, Moçambique, etc.), tem ao norte de Portugal um espaço possível de afirmação.
Portanto, acredito até que isso seja um factor importante para fazer o português médio perceber o recuperar a ligação histórica que existe entre Portugal e a Galiza.
A respeito do acordo ortográfico, às vezes observa-se uma confusão entre ortografia e outros aspectos da língua, nomeadamente pronúncia, morfo-sintaxe e léxico. Acha que as posições contrárias a respeito do Acordo Ortográfico nascem da ignorância ou da má vontade?
Nalguns casos eu creio que nasce da ignorância e noutros casos nasce de uma má vontade criada pela ignorância. A verdade é que eu até posso compreender, de um ponto de vista emotivo, estas reações por que a ortografia é um aspecto da língua que está muito ligado ao nosso corpo. Nós escrevemos com a mão e isso cria uma espécie de ligação indireta entre a língua e o corpo; mudar a ortografia para muita gente é, um pouco, como mudar o corpo.
Se a pessoa não tiver a noção de que a ortografia tem muito de convencional e, sobretudo, se não tem perspetiva histórica do que foi a mudança da ortografia ao longo dos séculos, acho que – e eu respeito isso, mudar a ortografia é mudar ela mesma, e de aí resulta uma tremenda confusão entre o código da escrita, que é muito convencional, e a identidade cultural, linguística etc.
E isso que para algumas pessoas é uma confusão para muitas outras é uma atitude emocional que eu posso compreender, sobretudo quando as pessoas não se lembram de que ao longo dos séculos a ortografia foi mudando e as pessoas foram ajustando o seu corpo à ortografia.
E um pouco como – todos nós temos esta memória, há vinte anos escrevíamos em computadores grandes, com teclados grandes, há trinta anos escrevíamos com uma caneta, hoje escrevemos em computadores pequenos e o nosso corpo foi-se adaptando a isso e com a ortografia vai acontecer a mesma coisa.
Acha que se a Galiza se somasse ao Acordo facilitaria que houvesse mais projectos em comum Portugal-Galiza-Brasil? Por exemplo, no campo dos computadores, nas tecnologias da informática...
Claro. Sobretudo se o ato de compartilhar esse espaço viesse a ser, como acho que deve ser, não apenas compartilhar palavras mas conceitos, atitudes mentais, representações. Não apenas palavras, mas aquilo que elas trazem consigo.
E é por isso que eu acho que seja importante. A seguir ao Acordo Ortográfico – não antes como alguns disseram, mas a seguir, entendermos quanto há de vocabulários técnicos, terminologias, etc. E aí o mundo da informática é fundamental, por que é um mundo que hoje atravessa todos as áreas do saber e nós falamos com metáforas da informática no falar comum sem nos apercebermos.
Depois do Acordo Ortográfico vêm os factos, os trabalhos, seleções e elencos de palavras que nos digam o que é que um conceito significa nos vários portugueses, no português de Portugal, do Brasil, da Galiza, de Angola, e que se encontra aí uma comunhão de conceitos, mais até que a ortografia.
Pensa que a utilização de metáforas como «sabores da língua» podem ser uma boa maneira para ligar melhor para a gente que não tem muito a ver com a linguística?
A expressão «sabores da língua» é muito interessante, porque é aquele domínio da língua em que salvaguarda o que há diferente, sem ser uma ruptura, entre uma forma de falar português do Brasil, Portugal, Galiza... que não ponha em causa a ruptura da língua.
A utilização de metáforas como «sabores da língua portuguesa» é muito importante para sabermos que a unidade da língua não é afectada por estas oscilações, são mais de natureza lexical, terminológica do que de natureza ortográfica. Eu posso escrever a mesma palavra da mesma forma em Portugal, no Brasil, em África ou na Galiza, mas ela significar diferente. Mas, para mim a ortografia o que é esse poder de manter a língua com alguma unidade. E este é um motivo muito importante a sublinhar por que nem sempre é bem avaliado.
Nós – é um discurso muito corrente em Portugal, falamos muito na necessidade de respeitar a diversidade da língua, a criatividade. Acho ótimo, mas é preciso ter em conta que essa dinâmica tem um preço, e esse preço chama-se a fragmentação da língua. A ortografia é essa convenção onde esta fragmentação controla. É muito bonito falarmos nos 230 milhões de falantes de português, mas se ao mesmo tempo nós estimularmos a fragmentação da língua, de daqui a cem anos esses 230 milhões de falantes já não existem. E repito, a ortografia é para mim o domínio onde se mantém alguma coesão sobre a língua.
Quais pensa que deviam ser os passos primeiros da Academia Galega da Língua Portuguesa?
Os passos que já deram são importantes, os outros que vêm a seguir, para o dizer de uma forma muito clara, acho que a AGLP, no meu ver, deve bater-se pela ideia de que o português é uma língua que existe naturalmente na Galiza, ou seja que o galego não é uma língua em divergência com o português.
Mas acho que é preciso ter muito cuidado, relativamente à questão política. Isto é, que a AGLP não significa um princípio de fratura política, um princípio de separação política, para que com naturalidade se aceite a ideia de que o português da Galiza é um pouco como o português em Angola, ou no Brasil ou em Portugal, sem trazer com isso outra coisa que não seja uma mera afirmação linguística.
Portanto, manter a questão da língua corno uma questão autónoma mas não como uma questão que arrasta fraturas de natureza política, a menos que os galegos entendam que deve ser assim. Esse é um problema dos galegos.
Em 1983 decorreu em Lisboa o 1º Congresso da Língua Portuguesa. Então, a professora Maria do Carmo Henriques e outros galegos apresentaram uma proposta para a integração da Galiza na Lusofonia, proposta que você apoiou. Pensa que tem havido avanços a respeito desde então?
Esta academia é a prova de que ideia fez o seu caminho. Ou seja, eu acho que o termo Lusofonia é mais abrangente e pacífico até do que o da Língua Portuguesa. Não se trata de um espaço propriedade de Portugal, mas um espaço amplo em que o português da Galiza está na mesma situação em que está o português do Brasil, da Angola ou da Guiné.
Portanto, de aí para cá esta ideia avançou e o que eu acho é que esta academia é como um instrumento regulador, uma prova de que há uma componente lusófona na Galiza.
Até que ponto o debate sobre o Acordo Ortográfico em Portugal é um debate político?
Eu diria que é mais um debate de natureza mental e psicomental do que político. Para muitos portugueses a questão do Acordo Ortográfico representa um problema mental com o Brasil, a dificuldade de reconhecer o papel importante que tem o Brasil hoje em dia na afirmação do português e a dificuldade de reconhecer de que o Brasil pode fazer mais pelo português do que Portugal.
É uma coisa que custa aceitar, que os portugueses pensem assim mas é uma realidade geocultural, geopolítica... Por exemplo, em Portugal há o Instituto Camões que trata da afirmação do português no estrangeiro, um instituto assim não há no Brasil só que o Brasil tem muitas outras formas - economia, música, literatura, moda, de afirmar o português internacionalmente. É uma outra forma, uma outra dimensão de ver o português e não comparar Portugal com o Brasil.
Essa comparação criou uma espécie de trauma. Muitos portugueses diziam «não tenho que falar como os brasileiros». A ortografia não sabe do falar. Isso traduzia é uma resistência à ideia de que o Brasil tem um papel ativo a representar aqui, e num futuro próximo também outro grande país que vai ser Angola... e quem sabe se também a Galiza.