Celebração da vida, da cultura e da língua da Galiza na homenagem da AGLP a António Gil Hernández
O professor, ensaísta e poeta foi apresentado como “o homem que escolheu ser galego” e “um referente moral e ético para esta e as vindouras gerações”. Gil anunciou que está a trabalhar na edição da obra de João Vicente Biqueira
16/06/2024 AGLP
Como “o homem que escolheu ser galego” e “um referente moral e ético para esta e as vindouras gerações” foi apresentado o professor, ensaísta e poeta António Gil Hernández (Valhadolid, 1941) na homenagem que promoveu a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP, da qual ele é membro numerário e diretor do seu Boletim, e foi uma das pessoas fundadoras) para honrar a sua trajetória. Foi um ato de celebração da vida, da cultura e de uma língua com futuro para a Galiza. Para participar deslocaram-se até a vila da Bandeira pessoas da Corunha, Vigo, Santiago de Compostela, Ourense, Fene, Padrão, Ames, Boqueijão, Ordes, Ginço de Límia, Vilar de Santos, Santa Marinha de Águas Santas, Ponte Caldelas, Amoeiro, da Marinha de Lugo, Madrid, Portugal..., para além de vizinhança do Concelho de Silheda, onde agora reside o homenageado.
Na inauguração intervieram o presidente da AGLP, Rudesindo Soutelo; a presidenta da Câmara Municipal de Silheda, Paula Fernández, quem estava acompanhada da relatora municipal de Cultura; Juan Liñares, da Asociación Cultural Vista Alegre da Bandeira, em cuja sede tiveram lugar as atividades; e José Manuel Goris, também vizinho da Bandeira e que atuou de porta-voz da Associação Pro-AGLP.
Esta atividade organizou-se na sequência do 15º Aniversário da AGLP, que está a ser comemorado em 2024. O presidente desta instituição, Rudesindo Soutelo, referiu-se à produção intelectual e literária, além de ao ativismo cívico e cultural de Gil Hernández na sua trajetória das últimas décadas na Galiza. Assinalou-o como “um referente moral e ético para esta e as vindouras gerações. A nossa Academia, que mantém atualmente um papel institucional no país, com interlocução junto dos poderes públicos, e fazendo parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) em qualidade de entidade observadora, orgulha-se em organizar este encontro-homenagem e em ter no seu seio um dos notáveis da intelectualidade e dos escritores nacionais: António Gil”.
Nas celebrações estiveram presentes docentes de universidades e do ensino não universitário. Acudiu José Luís Rodríguez, quem foi professor de António Gil no seu tempo de estudante na Faculdade de Filologia da Universidade de Santiago de Compostela; e depois coincidiram ambos no quadro professoral dessa instituição académica (José Luís em Compostela, António na Corunha). Também se aderiram muitas pessoas que foram colegas do homenageado: colegas de profissão mas também de vida, de construção de projetos e iniciativas em que se envolveu desde que em 1968 se deslocou para a Galiza e se implicou muito ativamente na vida, na cultura e no trabalho em prol de um melhor e mais próspero futuro para a língua.
A professora catedrática Iolanda Rodrigues Aldrei exerceu de relatora desta bela atividade, que ocupou toda a manhã e finalizou no meio da tarde no mosteiro do Carvoeiro, que é “o primeiro monumento declarado Bem de Interesse Cultural da Galiza”, segundo salientou Paula Fernández. A presidenta da Câmara Municipal de Silheda também destacou a generosidade de António Gil e da sua família, por terem cedido para o património público uma peça de valor histórico-artístico. A Associação Vista Alegre ressaltou como o belo espaço onde se celebrava a homenagem tivera a sua origem no esforço da comunidade emigrante, nos inícios do século passado; e também honrou Gil Hernández com um “Viva!” ao estilo da tradição do carnaval da vila. Ao ato também se somou a Fundação Meendinho, que representou o seu presidente, Alexandre Banhos.
Uma língua viva e vigorosa
Na continuação dos discursos foi inaugurada a exposição de banda desenhada A nossa língua no mundo, elaborada a partir de um roteiro de Gil Hernández e com trabalho artístico de José Goris. Nela evidencia-se como a Galiza tem uma língua viva e vigorosa. A exposição permanecerá um tempo na sede da Associação Cultural Vista Alegre da Bandeira, e depois pretende-se que visite outros espaços da Galiza. Nesta iniciativa faz-se um percurso através da História da Galiza e da sua língua, com destaque para vultos como Rosalia de Castro, Castelao, Celso Emílio Ferreiro, Ramóm Cabanilhas, e mais. Salienta-se como a língua própria da Galiza, o português galego, serve para a comunicação com os países hoje integrados na Comunidade de Países da Língua Portuguesa. Põe em destaque fitos do Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor, e finaliza com uma alusão ao hino galego.
Pioneiro na incorporação do galego no ensino não universitário
Numa mesa redonda, em que participaram César Morán, Maria das Dores Rei e Alfredo Ferreiro, foi analisada a produção de António Gil Hernández sob diferentes aspetos. Entre eles salientou-se como foi pioneiro na incorporação do galego ao ensino não universitário o primeiro ano que foi autorizado, no centro de secundária da Corunha onde na altura exercia a docência.
Anos antes, Gil Hernández lecionou Língua Espanhola, Crítica Literária e Introdução à Línguística no Colégio Universitário da Corunha, que dependia da Universidade de Santiago de Compostela (antes da posta em andamento da Universidade da Corunha). Desse tempo falou o professor César Morán Fraga, quem foi aluno seu nesse centro entre 1975 e 1977. Morán Fraga salientou o trabaho profissional de António Gil, assim como o facto de ter dinamizado outras atividades, e julgou-o como “pessoa ilustrada e provocadora”.
Maria das Dores Rei, quem coincidiu com António Gil como docente no liceu Salvador de Madariaga da Corunha, referiu-se a ele como “o meu colega e meu mestre”. Lembrou como tinham colaborado na elaboração de materiais e propostas para ministrar a disciplina de Língua Galega e Literatura, pois eles foram a quem correspondeu essa tarefa pioneira no centro de ensino secundário.
Alfredo Ferreiro apresentou a poesia de Gil Hernández. Deteve-se em volumes como Baralha de Sonhos ou Luzes e Espírito, e outros produtos. Este crítico, juntamente com Concha Rousia, Rosa Lourenzo, José Manuel Barbosa, Joám Trilho, Pedro Casteleiro, José Martinho Montero Santalha e Adela Figueroa, deram leitura a poemas de Gil Hernández, que se distribuíram numa publicação editada para esta atividade.
Contributos desde Londres, Lisboa e Nottingham
Houve assim mesmo três intervenções desde o exterior. A primeira, de Saleta Gil Lourenzo, filha de António Gil e Rosa Lourenzo, quem enviou um contributo desde Londres, onde reside. Lembrou instantes de relevo na convivência familiar, contatos com diversas figuras e valorizou a produção do seu pai sob diferentes aspetos.
Maria Dovigo e Álvaro Vidal Boução, que exercem a docência em Lisboa e na Universidade de Nottingham (Reino Unido), respetivamente, intervieram por vídeoconferência para salientarem a sua convivência com António Gil como professor e sociolinguista.
Maria Dovigo foi aluna dele no centro de secundária Salvador de Madariaga nos finais da década de 1980-1990. “Lembro muito as tuas aulas”, afirmou. Salientou que agora, ao exercer ela como docente, tenta com o seu alunado “ter respeito, como tu tinhas por nós”. Dovigo memorou que graças a Gil Hernández conheceu como “no português tinha um mundo na minha própria língua” e como aprendeu também a “não sentir as fronteiras que nos iam sendo colocadas, como a da ortografia”. Indicou que aprendeu de Gil Hernández estratégias para o ensino que está a aplicar com sucesso, bem como o “amor pela cultura e pela democracia”.
Álvaro Vidal, filólogo e professor da Universidade de Nottingham, quem teve amizade e relação de longa data com o homenageado, lembrou o seu relacionamento entre ambos e mais pessoas na Corunha, e a participação conjunta em atividades como os congressos da língua galego-portuguesa na Galiza, que organizava a Associaçom Galega da Língua (AGAL, outra entidade de que Gil foi promotor, como da revista Agália). A AGLP anunciou que disponibilizará em breve estas intervenções com a divulgação de vídeos.
O ato continuou com a projeção de dois vídeos de enorme interesse, realizados por José Goris: um sobre a trajetória de António Gil Hernández, e outro centrado na homenagem que lhe foi tributada no ano 2006 na sequência do III Seminário de Política Linguísticas.
Aprender de Biqueira e editar a sua obra
Finalizou a atividade da manhã com o lançamento do volume Johán Vicente Viqueira. João Vicente Biqueira (1924-2024). Poemas e Ensaios. É de recente publicação, sob a chancela da editora Através, de Santiago de Compostela, em edição que promove a AGLP. O livro foi preparado por António Gil Hernández e contribui para a comemoração do centenário da morte de Biqueira, um dos grandes vultos da Galiza do século XX, avançado no reconhecimento do português como língua da Galiza.
No lançamento participaram, além de Gil Hernández, a poeta e académica Concha Rousia e o professor José António Lozano. Lozano lembrou o seu relacionamento com António Gil, também na Corunha, desde há 38 anos. Salientou dele o facto de “pôr a dignidade humana em primeiro lugar”. Destacou a figura de Biqueira como “europeísta”, na tendência do galeguismo da época.
Nas intervenções ressaltou-se o contacto de Biqueira com figuras do seu tempo, da Galiza e da Europa. Entre essas figuras há vultos hoje canonizados do Galeguismo, da Psicologia, da Filosofia e da Literatura da Europa, como Castelao, Fernando Pessoa, Leonardo Coimbra, Wilhelm Wundt, Henri Bergson, William James, bem como com representantes do krausismo e da Institución Libre de la Enseñanza do Estado Espanhol. Gil Hernández afirmou que “Aprendi de Biqueira a procura da harmonia”.
A última intervenção da manhã foi de César Morán, quem com a sua guitarra interpretou duas poesias de João Vicente Biqueira musicadas por ele.
Por volta de meio cento de pessoas participaram na continuação num almoço, em que Gil Hernández anunciou que está a trabalhar na edição da produção de João Vicente Biqueira. Rosa Lourenzo, a sua companheira de vida, agradeceu os anos da convivência familiar com António Gil Hernández, lembrou vários aspetos da sua produção, e também evidenciou gratidão para com as pessoas que tinham mantido acesso como ele o reintegracionismo na Galiza nas últimas décadas. José Martinho Montero Santalha, professor catedrático da Universidade de Vigo e primeiro presidente da AGLP, ofereceu um brinde em honra de António Gil Hernández ao que se uniram as pessoas presentes, que foi seguido do oferecido por Rosa Lourenzo, esposa e companheira de vida do homenageado e do discurso de agradecimento de António Gil. A visita ao mosteiro de Carvoeiro com uma fotografia final de grupo fechou esta merecida e justa homenagem.
No final do ato, a professora e escritora Iolanda Aldrei, como porta-voz da organização, valorizava que “A merecida homenagem ao António representa os valores que devemos preservar como povo: o reconhecimento do mestre humilde e constantes que com a sua bondade natural, a sua sensibilidade, a sua inteligência e cultura soube cultivar no território no que aninhou o respeito para si, para a língua e para a vontade de permanência de uma justiça e uma dignidade merecidas”.
Galeria de imagens e discurso do presidente da AGLP, abaixo.
- Publicado em Info Atualidade